Crítica


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Sinopse

Crítica

As adaptações, ou ainda, as reinterpretações literárias são recorrentes no cinema de Paolo e Vittorio Taviani. Entre fontes de inspiração externas, indo de Goethe, As Afinidades Eletivas (1996), a Shakespeare, César Deve Morrer (2012), a dupla de cineastas sempre reservou um espaço generoso em seu corpo de trabalho para os autores italianos, como Pirandello, no seminal Kaos (1984), ou Boccaccio, no recente Maravilhoso Boccaccio (2015). Em Uma Questão Pessoal, os irmãos transpõem para as telas o texto de outro conterrâneo, Beppe Fenoglio, tomando como base o romance homônimo originalmente publicado meses após a morte do escritor, em 1963, e cuja trama se ambienta na região piemontesa do Langhe, durante o período derradeiro da Segunda Guerra Mundial.

Tal recorte histórico se apresenta como território familiar aos realizadores, já tendo sido explorado, por exemplo, no clássico A Noite de São Lourenço (1982). Contudo, diferente do longa que lhes valeu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, em que uma aura de esperança, da crença nos desejos a serem atendidos na noite das estrelas cadentes, se mesclava à tragédia, aqui a atmosfera se revela, de cara, mais carregada, densa como a neblina que cobre a paisagem no plano inicial. É das entranhas dessa névoa fantasmagórica que surge o protagonista da história, Milton (Luca Marinelli), um jovem partisan – membro do grupo de resistência opositor ao exército fascista – que retorna à sua cidade natal à procura da bela Fulvia (Valentina Bellè), por quem é apaixonado.

Ao chegar à mansão onde passara o último verão antes da guerra, as lembranças dos dias idílicos ao lado da amada – aprendendo inglês, discutindo literatura e ouvindo música – tomam conta da mente de Milton. A sensação alentadora gerada por esses pensamentos, porém, acaba sendo desvirtuada quando uma antiga empregada, que permanece no local após a partida dos patrões, relembra o passado, sugerindo que Fulvia mantinha um relacionamento mais íntimo com Giorgio (Lorenzo Richelmy), amigo de Milton responsável justamente por apresentá-lo à garota. A informação lança sobre o partisan a mesma escuridão que envolve a suntuosa propriedade, com suas cortinas cerradas há anos, fazendo com que ele parta desesperadamente ao encontro de Giorgio, para confrontá-lo e obter a verdade.

A descoberta de que o amigo foi capturado pelos fascistas faz com que sua missão, com contornos de obsessão, ganhe um novo rumo: conseguir um prisioneiro inimigo que possa ser trocado por ele. Assim, Paolo e Vittorio Taviani, ambos roteiristas, estabelecem o dilema moral central do longa, o embate entre a nobreza da tentativa de resgate de um companheiro e a carga de egoísmo contida na ação, resultante do anseio pelo esclarecimento da questão pessoal a qual se refere o título. Embebido desse sentimento conflitante, Milton inicia sua jornada errante, repleta de percalços, retratada de forma episódica pelos cineastas, que inserem o drama particular do personagem no panorama geral, o da guerra, que o cerca. Para isso, optam por dividir o longa em duas linha narrativas formalmente distintas.

Uma delas é a do passado – os flashbacks vislumbrados por Milton – que ostenta um registro mais clássico, oferecendo uma qualidade luminar às lembranças idealizadas e povoadas pelos sonhos da juventude, simbolizados na canção Over The Rainbow, interpretada por Judy Garland em O Mágico de Oz (1939), que Fulvia ouve repetidamente. Nessas passagens, Paolo Taviani - que assina sozinho a direção, no primeiro trabalho após a morte do irmão - também define a dinâmica do triângulo amoroso, sintetizada na sequência em que a jovem sobe numa árvore ao encontro de Giorgio, já no topo, enquanto Milton permanece no solo. São os opostos por quem a garota se divide: o impetuoso e galanteador, com quem tem uma ligação mais física, através da dança, e o sensível e introspectivo, que espera que ela dê o número exato de passos para poder se aproximar, e com o qual se conecta intelectualmente, por meio das cartas que escrevem.

A outra linha narrativa, a do presente, se mostra mais livre, desprendida do rigor formal, se aproximando do improviso do jazz, que surge em cena através do irritante prisioneiro fascista que emula os sons dos instrumentos de uma banda completa do gênero. Sons que Taviani funde aos de uma trilha real de jazz e, posteriormente, ao dos tiros das metralhadoras. São momentos de inventividade inesperados como esse que engrandecem Uma Questão Pessoal. Sequências que, mesmo parecendo isoladas em um conjunto por vezes irregular, possuem inegável poder – como o encontro breve e silencioso de Milton com os pais, ou seu desespero ao perder um prisioneiro que serviria como moeda de troca por Giorgio.

É dessa forma que Paolo e Vittorio Taviani reforçam como as jornadas particulares são responsáveis por levar humanidade a uma situação tão desumana quanto a do terror da guerra, culminando na constatação do próprio Milton, antes que este desapareça na mesma neblina branca do início, o “mar de leite” que cobre as colinas italianas. A noção de que, mesmo sem uma resolução para seu drama, a beleza de suas memórias – a calorosa imagem de Fulvia e a possibilidade da concretização de sua paixão platônica – que quase o levou a morte, foi também a força responsável por mantê-lo vivo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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Grade crítica

CríticoNota
Leonardo Ribeiro
7
Roberto Cunha
6
MÉDIA
6.5

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