Crítica


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Sinopse

Tiffany “Rex” Simpson, uma jovem que sempre sonhou em ir para o espaço, se inscreve de forma “adulterada” em um competitivo programa da NASA. Agora, a garota precisará passar pelo treinamento e viajar pelo cosmo antes que descubram seu disfarce.

Crítica

Em muitos filmes sobre pessoas que sonham com algo grandioso, o objetivo principal é entrar num foguete e sair do planeta Terra a fim de contemplar os mistérios da galáxia. Provavelmente, porque missões espaciais representam um ideal quase inalcançável, afinal de contas é preciso preencher inúmeros requisitos para ser escolhido por uma agência estatal com condições de mandar alguém literalmente ao espaço – ou ser um bilionário excêntrico que deseja explorar um mercado de turismo espacial. Além de tudo, há algo de poético em ser astronauta, nessa possibilidade de contemplar as estrelas “mais de perto” e enxergar o nosso planeta de fora. Uma Astronauta Quase Perfeita não está nem um pouquinho interessado nos enigmas do cosmos, nas implicações científico-filosóficas ou na evolução da humanidade ao explorar galáxias e mundos distintos. Trata-se de uma comédia leve, ligeira (às vezes irritante), mas com forte carga motivacional, orientada pela máxima “tudo pode ser, basta acreditar” – citando Lua de Cristal, sucesso da Xuxa. A protagonista é Rex (Emma Roberts), bartender californiana que nutre desde criança o sonho de ir ao espaço. No entanto, seus caminhos foram fechados pela morte da mãe, o que criou um efeito cascata capaz de redirecionar sua vida para longe da astronáutica. Mesmo sem condições técnicas, ela se inscreve num programa de novo cadetes da NASA. E é admitida.

A cineasta Liz W. Garcia não está preocupada com o amadurecimento de Rex nesse conto moralista bobinho com retrogosto de comida requentada pela enésima vez. Interpretada por Emma Roberts como uma pós-adolescente sonhadora e de positividade irritante, a protagonista existe para mostrar ao mundo astronáutico que nada como a capacidade de improvisação e estar mais relaxado para fazer as coisas acontecerem. O cinema tem a capacidade de nos fazer acreditar no impossível, de constantemente desligar a incredulidade e nos permitir o deleite com situações estapafúrdias, comportamentos e movimentos incoerentes e/ou fantasiosos. Não é o caso em Uma Astronauta Quase Perfeita, pois o roteiro simplesmente nos empurra goela abaixo situações absolutamente inverossímeis sem o devido trabalho para desarmar a nossa descrença. É dureza acreditar que uma pessoa sem a mínima qualificação técnica para estar num programa da NASA tenha conseguido fraudar de maneira tão primária o seu currículo, ao ponto de especialistas tarimbados serem enganados como se fossem estagiários iniciantes. Novamente, o problema não é bem a situação apresentada, pois cineastas mais habilidosos poderiam fazer funcionar perfeitamente essa incongruência, talvez ao acentuar o absurdo. A questão é que Liz não faz força nenhuma para os absurdos serem parte de um conjunto coerente de disparates.

Então, ao sabor dos ventos de clichês mal trabalhados, Uma Astronauta Quase Perfeita vai avançando a partir da repetição de uma série de lugares-comuns, isso dentro de um molde igualmente desgastado e quadrado. Rex mente para entrar na NASA, quebra a sisudez do lugar com o seu comportamento histriônico (e geralmente sem noção), começa a cativar as pessoas, estuda para diminuir as suas desvantagens, sempre com medo de ser pega por estelionato e/ou falsidade ideológica. Os funcionários do local são tratados como imbecis que caem em qualquer lorota, a única possibilidade de alguém como Rex, portadora apenas de um sonho inalcançável e zero qualificações, prosperar num programa montado para testar mentes brilhantes. Se Liz W. Garcia aplicasse um verniz de fábula à história, tudo ficaria menos incômodo, afinal de contas ela estaria utilizando uma abordagem apropriada para invencionices sem pé nem cabeça. Se a cineasta mergulhasse na comédia mais escrachada, provavelmente a idiotice dos funcionários, as engambeladas que Rex dá em todo mundo e até mesmo as manobras da amiga atendente de academia ganhariam uma razão de ser. Portanto, o que mais falta nessa produção que chegou ao Brasil diretamente no streaming é uma moldura que lhe ofereça a possibilidade de ser coerente. O resultado não funciona do ponto de vista cômico e tampouco como sátira nonsense.

Emma Roberts se sai bem na pele dessa protagonista que faz de tudo para provar o seu valor. Ela desempenha adequadamente o que o papel lhe pede, ou seja, vira uma figura adulta que precisa ser infantilizada para manter a veia sonhadora. Anteriormente neste texto se falou sobre a realizadora não estar preocupada com o amadurecimento da personagem. E isso acontece principalmente porque Liz W. Garcia não está propondo um caminho ao fim do qual Rex será uma pessoa melhor, aprendendo com seus erros e acertos. Pelo contrário. Ela encara a aspirante a astronauta como um exemplo solar capaz de lançar seus raios luminosos sobre um mundo careta e cinza. Não à toa o interesse amoroso, desenvolvido de maneira capenga, é concentrado no instrutor interpretado por Tom Hopper. Ele, o típico nerd sem vida social que se comporta como tivesse nascido numa comédia pastelão. Ela, a idealista que mostra a importância de algumas doses de irresponsabilidade como se estivesse numa dramédia inspiracional. O saldo é uma experiência enfadonha em seus quase 120 minutos, na qual os atributos de Rex são repetidos exaustivamente e a influência sobre os demais personagens é mecânica, não transformadora. Até como passatempo o filme é capenga. A evolução da trama sem graça não privilegia a diversão, pois está empenhada demais em mostrar que Rex é um exemplo que deve ser seguido, a confinando num modelo que nos permite antever quase tudo o que vai acontecer.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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