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Sinopse

Tio Tony é um adorável trambiqueiro que vive de bicos como estátua viva, cartomante, pastor e sempre conta com a cobertura da mãe, Cecília. Quando eles são despejados do muquifo onde moram, procuram a irmã de Tony, Angela, com quem não falam há anos.

Crítica

Pedro Antônio é um cara legal. Diretor de vários programas de humor televisivos, como Ferdinando Show (2015-) e 200 Volts (2016-), ele deu seu primeiro passo na telona justamente aproveitando um destes talentos, o da atriz Samantha Schmutz, como a protagonista do curioso Tô Ryca! (2016), um filme que tinha tudo para cair no estereótipo mais rasteiro, e mesmo assim conseguia driblar estas armadilhas com bom humor e irreverência. Infelizmente, o mesmo não se dá nesta sua segunda incursão cinematográfica. Um Tio Quase Perfeito é, por sua vez, justamente aqui que o título promete: uma história tão genérica que em nenhum momento consegue ir além do ‘quase’ já anunciado.

E não que os elementos não estejam no lugar certo: eles até estão, porém não existe liga nenhuma entre eles. O chamariz, como é de se esperar, é a presença de Marcus Majella, o coadjuvante do Porta dos Fundos e das esquetes de Paulo Gustavo que acabou atraindo tanta atenção para si mesmo a ponto de se tornar uma estrela de brilho próprio. Depois de diversos papeis menores – quase figurações, pra se falar a verdade – em filmes como Mato Sem Cachorro (2013) e Minha Mãe é uma Peça (2013), ele começou a ser notado como o Ferdinando de Vai Que Cola (2013-), que dois anos depois ganhou uma versão cinematográfica (Vai Que Cola: O Filme, 2015). O grande charme deste tipo? A falta de censura, sem papas na língua, agindo sempre de modo inesperado, debochado, cheio de trejeitos e muita personalidade, criando uma figura sem igual. Pois o Tio Tony que ele agora apresenta é justamente o oposto de tudo isso: cansado, repetitivo, sem inspiração. Em resumo, sem graça.

A direção de Pedro Antônio parece também estar jogando contra. Ao invés de aproveitar as presenças da veterana Ana Lúcia Torre (como a mãe trambiqueira) ou do imponente Eduardo Galvão (como o cunhado irresponsável), os dois mal chegam a aparecer e pouco são lembrados. A primeira poderia oferecer um contraponto de humor mais refinado, baseado no texto e na atuação, ao invés de atitudes e físico. Já o segundo seria a escada perfeita para ressaltar as diferenças entre os dois, o elegante e distante que falha em seus compromissos versus o atrapalhado e irresponsável que surpreende por fazer aquilo que dele ninguém espera. Ao invés disso, no entanto, fica evidente a opção por “um filme para toda a família”, como o pôster da produção anuncia. E, assim, Majella é colocado ao lado de três crianças inexpressivas que mais irritam do que envolvem.

Ele vai parar tomando conta dos sobrinhos quando, ao lado da mãe, é despejado do apartamento onde moram após tantos meses de aluguéis vencidos. Para não ficarem na rua, refugiam-se na casa da irmã dele/filha dela, que por sua vez está de viagem marcada. Acabam, em troca da moradia, ficando responsáveis pelos sobrinhos/netos. O que lhes compete, porém, não chega a ser nenhum exagero: levá-los à escola, dar comida, banho, cuidar das tarefas e colocá-los para dormir no fim do dia. Uma missão, como se percebe, não muito diferente da de milhares de pessoas ao redor do mundo. Para torná-la mais singular, alguns conflitos são forçados: a mais velha quer que a peça da escola seja baseada em Shakespeare, o garoto tem problemas de aprendizado e a caçula é carente por atenção. Nada que não se resolva com um pouco do “jeitinho brasileiro”, algo que um picareta como Tony, que vive de aplicar pequenos golpes, está mais do que acostumado.

O roteiro de Sabrina Garcia, Rodrigo Goulart e Leandro Muniz (o único com mais experiência do trio, tendo escrito Meu Passado Me Condena, 2013, e a sequência de 2015) até tenta se aprofundar em um ou outro ponto mais crítico, com pitadas sobre a situação política brasileira, o fato do protagonista estar devendo a agiotas ou o que uma família precisa superar para permanecer unida. No entanto, é tudo por demais superficial e rasteiro. Esse Um Tio Quase Perfeito é não mais do que uma fórmula, feita sob medida para tentar emplacar Marcus Majella também como astro de cinema, e não apenas de televisão. Esqueceram, no entanto, do essencial, justamente daquele toque diferenciado que o faz se destacar dentre dezenas de outros comediantes como ele. E assim, engessado e fora do seu ambiente, revela-se passageiro e descartável. Quem sabe numa próxima vez o deixem mais livre para improvisos de acordo com a persona que seus fãs tanto conhecem e admiram? Aí, pode ser que alcancem o objetivo esperado. Do jeito que está, no entanto, ele é só mais um, tão fácil de esquecer quanto qualquer produto similar, porém não genuíno.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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