Crítica


3

Leitores


5 votos 6.8

Onde Assistir

Sinopse

Tio Tony reina soberano no coração dos sobrinhos. Ele parece ter se regenerado da vida de trambiques e vive em harmonia com a família até a chegada de Beto, sujeito que rouba o coração da irmã, Ângela, e, de quebra, encanta os pequenos. Com ciúmes do intruso, Tony vai armar planos mirabolantes envolvendo os sobrinhos para tentar provar que o futuro cunhado não vale nada.

Crítica

A previsibilidade não é necessariamente um pecado. Isso, desde que a adesão a convenções e cânones seja feita de modo voluntário/consciente, fundamentada numa intenção. Pequenas subversões que colocam em dúvida o cumprimento de protocolos também são bem-vindas. O problema é quando, em prol de um suposto descompromisso, os lugares-comuns são propostos/dispostos como subterfúgios adequados. A premissa de Um Tio Quase Perfeito 2 anuncia Tony (Marcus Majella) enciumado por conta da simpatia dos sobrinhos pelo futuro padrasto, Beto (Danton Mello). Tão logo o protagonista comece a meter os pés pelas mãos, motivado pela inveja, a gente já consegue antever a sequência dos acontecimentos. O acúmulo de planos de sabotagem; as ações movidas pela cegueira da insegurança; o instante de crise atingindo o ápice com imbróglios aparentemente insolúveis; e o clímax conciliador que desata todos os nós quase como num passe de mágica. O diretor Pedro Antônio não se desvia um milímetro desse percurso, então, sustentado pelo que tem de manjado.

Nesse tipo de filme calcado em aprendizados e morais posteriores a percursos, geralmente certos e errados são demarcados e seus andamentos impermeáveis a ambiguidades. Um Tio Quase Perfeito 2 abre pouquíssimos espaços de exceção a essa forma de construir a história, deixando evidentes as passagens positivas e negativas, nem bem cutucando aquelas áreas cinzentas em que as pessoas agem de acordo com impulsos instantâneos que não as representam. Tudo é muito facilitado nesse longa que passa longe, inclusive, de desenhar com consistência os arrependimentos do antes unânime parente. Tony faz coisas abomináveis com o seu antagonista, demonstrando uma personalidade revanchista diante da ameaça de ser escanteado. O boicote ao empreendimento alheio e a capacidade de brincar com os sentimentos da irmã, desde que isso signifique levar vantagem numa disputa mesquinha, estão nesse pacote que deixa o personagem a mercê de um julgamento de conduta. Sob pressão, Tony lança mão de estratégias vis, distante do meramente despeitado e implicante.

Mas, Pedro Antônio simplifica consequências de atitudes complicadas. Demonstrando condescendência enorme com o protagonista, ele (e o todo) chega à conclusão de que se Tony agiu impensadamente, logo merece ser perdoado. O diretor nem sequer aborda uma contradição da figura construída com histrionismo por Marcus Majella, talvez porque não a tenha notado. O tiozão mais bacana das redondezas acusa Beto de “comprar” o afeto das crianças com a infraestrutura da casa e outras coisas que o dinheiro garante. Porém, é exatamente com uma barganha que ele consegue mudar os humores dos sobrinhos quando estes estão irredutíveis, oferecendo o cumprimento de um desejo a cada um para que as rusgas sejam esquecidas. Um Tio Quase Perfeito 2 deixa bastante a desejar, inclusive no quesito entretenimento leve, justamente porque passa boa parte de seu tempo enfiado num conflito que emperra até o potencial cômico. A estrutura episódica também não ajuda no desenvolvimento desse conjunto que afugenta os vários obstáculos de modo cômodo.

Outra debilidade de Um Tio Quase Perfeito 2 é o arremesso dos personagens coadjuvantes à insignificância. Angela (Letícia Isnard), irmã do sujeito avesso ao futuro marido, vira um penduricalho, pois, a despeito de sua importância, é incapaz de alterar os rumos da história. Em somente uma cena ela demonstra autonomia, mas logo depois procede exatamente como deseja Beto. Aliás, o filme ameaça tornar embolada nossa compreensão sobre esse personagem esquemático, precisamente quando ele ensaia se tornar impositivo e tolher a ludicidade das crianças. Contudo, o roteiro aparentemente não sabe se mergulha de cabeça nessa possibilidade arquetípica – e assim confere um pouco de razão ao irresponsável Tony – ou se assume o expediente como bomba de fumaça de efeito fugaz. Mesmo num filme abertamente dedicado a entreter, calcado em mensagens positivas, indicado a uma faixa de público que vai dos pré-adolescentes aos jovens adultos, é preciso atentar à qualidade da construção narrativa, à sustentação dos personagens e ao delineamento de vieses e reveses. Pena que aqui, o realizador crie problemas e os resolva displicentemente, os encobrindo com diversas piadas frágeis.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Alysson Oliveira
2
MÉDIA
2.5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *