Crítica
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Sinopse
A relação de amizade entre dois casais de amigos é abalada quando uma das mulheres escreve um best-seller. O sucesso desperta uma série de reações motivadas pela inveja alheia, o que vai fazer alguns castelos desmoronarem.
Crítica
“O inferno são os outros”, já dizia Sartre. Pois poucas constatações são tão verdadeiras quanto essa. Afinal, muito do que o homem (e a mulher, obviamente) faz no seu dia a dia, acaba sendo balizado não apenas por si, mas também pelas expectativas e constatações de vizinhos, colegas de trabalho, amigos e parentes. É aquela coisa: a grama do lado de lá da cerca é sempre mais verde. É mais ou menos esse o conceito que é lentamente explorado, sem pressa, mas com bastante propriedade, em Um Brinde ao Sucesso. Aliás, o título nacional é absolutamente irônico, uma brincadeira subjetiva que entrega menos do que o original em francês, que poderia ser traduzido como “a felicidade de uns...”, ou seja, está nas reticências o seu entendimento. Quando algo dá certo para alguém, há mais gente na torcida contra ou a favor? Como se pode ser avaliado esse tipo de suporte – ou negatividade? São questões quase banais, poucas vezes levadas em consideração, mas que quando se concretizam, assumem um poder tal capaz de mudar destinos e relações.
Quatro amigos, dois casais, estão jantando juntos, como costumam fazer regularmente. Ao término do encontro, o garçom se aproxima e pergunta se desejam sobremesa. Léa (Berenice Bejo) responde de pronto: “sim, uma Ilha Flutuante, por favor”. Os demais seguem indecisos, pensam em torta de maçã (em falta), sorvete (difícil escolher o sabor), mil folhas (exige muito trabalho), e entre tantas opções, acabam desistindo em conjunto. Quando se vê como a única solicitante, a que havia pedido de início também resolve abdicar do desejo momentâneo: “não quero ficar comendo sozinha”. Os demais se sentem levemente constrangidos, a amiga pensa em pedir alguma coisa, o marido se sente na obrigação, e assim se vão dez minutos de vais e vens, a ponto de ameaçar a paciência do atendente. Essa sequência inicial pode soar um tanto entediante quando descrita, mas é fundamental para entender, de modo prático, as personalidades dos quatro envolvidos. Enquanto apenas uma dos presentes tem, de fato, consideração pelos demais, os restantes até fingem compartilhar o interesse, mas, em última instância, o que lhes importa antes de qualquer outra coisa é a si mesmos.
É curioso como Léa, apesar de ser a mais decidida do grupo, é também a mais subestimada. Pois são os outros que criam as idas e vindas, e pede-e-não-pede, muito por se sentirem responsáveis por ela – que está tranquila em qualquer situação, solicitando o doce ou não – e terminam por se aliviar dessa suposta obrigação a acusando de algo que eles geraram. Aliado a isso, há o que cada um faz com sua vida: Marc (Vincent Cassel), o marido, trabalha em uma empresa de alumínios, enquanto que Karine (Florence Foresti, de Sobre Amigos, Amor e Vinho, 2014), a melhor amiga, atua em uma agência de publicidade, e Francis (François Damiens), o marido dessa, se ocupa com vendas. Todos os três, cada um a seu modo, se sente importante no que faz, sem se darem conta de que é basicamente o mesmo que Léa. Essa, porém, se coloca em uma posição humilde: é vendedora em uma loja de roupas. E é feliz nisso, o mais importante.
Léa trabalha em um shopping, e como grande parte da sua ocupação é esperar pelo próximo cliente, tem tempo de sobra em mãos. Mas não se sente entediada. Muito pelo contrário. Se ocupa observando os consumidores, aqueles que passam por ela pelas escadas rolantes, pelos corredores, que a consultam sobre uma blusa ou vestido. E assim, despretensiosamente, vai transformando esse conteúdo que percebe estar a seu alcance em material literário. Quando revela, nesse mesmo jantar entre amigos, que está se arriscando na elaboração de um livro, não imaginava despertar o melhor e o pior destes ao seu lado. Pois por mais singelo que seja o exercício da escrita, a arte é um mistério, algo tão assustador quanto passível de encanto: o cidadão quer se aproximar da obra, mesmo que dela também sinta medo. Léa, porém, está alheia a isso. Talvez por ignorância, ou mesmo ingenuidade. E assim, não sabendo ser impossível, foi lá e fez. De página em página, aos poucos percebe ter diante de si um livro, que é aceito por uma editora, e com o passar do tempo se mostra um sucesso de público. Tudo muda ao seu redor: o marido se sente ameaçado e fragilizado, a amiga se imagina perdendo valor, o esposo dessa quer a todo custo descobrir um talento secreto. Os cheques que recebe das livrarias vão se acumulando, assim como os prêmios, reconhecimentos, pedidos de entrevistas e homenagens. Sua realidade pode ser outra, mas segue com os mesmos olhos. Porém, como lidar com as inseguranças dos demais?
Berenice Bejo, indicada ao Oscar por O Artista (2011) e premiada em Cannes por O Passado (2013), demonstra uma delicadeza envolvente na construção de se personagem. Não alienada do efeito que gera por apenas ser quem é, mas nunca dando a cada pequena revolução um peso maior do que aquele que acredita ser devido. Vincent Cassel e François Damiens, dois talentos inegáveis do cinema francês contemporâneo, estão à vontade investigando zonas que vão além das áreas de conforto pelas quais se tornaram populares. A revelação, no entanto, é mesmo Florence Foresti, que faz de sua Karine um misto de carinho e inveja, atenção e desprezo, resultando na figura que melhor exemplifica o tornado de emoções pelos quais todos eles, de um jeito ou de outro, acabam sendo afetados. Um Brinde ao Sucesso é, antes de qualquer coisa, um pequeno conto moral, partindo de limites bem delineados para exercer uma reflexão a respeito do indivíduo enquanto ser social e daquilo que faz a felicidade e o sentimento de realização de cada pessoa: algo que se busca tanto lá fora, quando na maioria das vezes se esquece de procurar no lugar mais perto de todos: dentro de si.
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Roberto, assisti o filme todo com pena da Léa, achando que ela não tinha personalidade, depois quando acabou o filme sem uma "reviravolta" eu fiquei indignada. Daí vim ler as críticas, e a sua crítica me ajudou a entender o filme todo. A Léa na verdade era a única do filme que tinha personalidade e mais do que isso, a única que genuinamente se importava com os outros. Obrigada!