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Sinopse

Com seu casamento em ruínas, Fiona Maye, membro da suprema corte, tem em suas mãos uma decisão que pode mudar muitas vidas. Pelo poder que a justiça lhe concede, ela é capaz obrigar um garoto que está entre a vida e a morte a receber uma transfusão de sangue que pode salvar a vida do rapaz. Entretanto, ele se recusa a receber o tratamento por motivos religiosos. Quebrando o protocolo, a juíza decide visitá-lo no hospital. Essa visita mudará para sempre não apenas sua perspectiva sobre a vida, como também despertará sentimentos que até então não se permitia experimentar.

Crítica

Em Um Ato de Esperança, baseado no livro The Children Act, do escritor britânico Ian McEwan – ele que, pessoalmente, se encarregou de adaptar o original ao roteiro de cinema –, Emma Thompson interpreta Fiona, típica workaholic cujo afinco profissional emperra o sucesso de sua vida íntima. Juíza respeitada, ela nunca tem tempo para o marido, o professor Jack, vivido por Stanley Tucci, se dedicando quase integralmente ao estudo de autos e às reflexões acerca da aplicabilidade da lei. Logo no começo, ela precisa arbitrar um caso intrincado, dando o veredito quanto à separação ou não de siameses, isso à revelia da vontade dos pais motivada pela crença religiosa que impõe sacrifícios em nome de Deus. Juntos, os bebês não têm chance de sobrevivência, mas isolados um deles efetivamente morre (é assassinado), enquanto o outro recebe todas as possibilidades de levar uma vida normal. O dilema moral e jurídico é bastante subaproveitado pelo diretor Ricard Eyre. Ele apenas acentua o pragmatismo da decisão não fundamentada num dogma.

Um Ato de Esperança, até pelo breve vislumbre de uma aula em que Jack discute, justamente, questões concernentes à influência do cristianismo nas sociedades ocidentais, ensaia sustentar-se nessas ambiguidades, em discussões profundamente empenhadas na problematização de preceitos doutrinários e da vontade individual sob as perspectivas filosóficas e legais. Todavia, infelizmente não é o que acontece. Após o desabafo do insatisfeito cônjuge com relação à situação marital marcada por falta de sexo e distanciamento emocional, a trama descamba para uma mal formulada observação dos efeitos da separação sobre a até então centrada magistrada. Ela passa a apresentar um comportamento instável, mesmo diante das demandas espinhosas da corte. A decupagem privilegia planos fechados e perspectivas banais, isso dentro de uma encenação conceitualmente disposta a ressaltar os dramas dos personagens, mas que logra êxito contrário, em virtude da maneira banal com a qual delineia causas e consequências, esvaziando gradativamente o decurso do enredo.

Bem longe de utilizar como motores o sofrimento particular e os sentimentos conflitantes que atravessam Fiona, Ricard Eyre articula desajeitadamente as fases que compreendem o rompimento então em curso. Outro caso envolvendo conteúdo religioso faz Um Ato de Esperança praticamente relegar essa contenda doméstica a uma posição colateral, esquematicamente acionada em instantes pontuais na tentativa de avolumar a turbulência no dia a dia da protagonista. Diante da necessidade de escolher se um adolescente vive ou morre – ele e os pais, Testemunhas de Jeová, não aceitam o recebimento de uma doação de sangue que pode ajudar no árduo tratamento da leucemia –, a juíza exibe um comportamento claudicante, insignificantemente atrelado às suas intempéries matrimoniais. As instâncias não se comunicam e o filme fica refém de uma compartimentação excessiva, isso sem mencionar a sucessão de eventos sem peso dramático e a trilha sonora solene e intrusiva que, beirando o incessante, confere tintas mais carregadas e reiterativas ao todo.

Apostando numa narrativa caudalosa que, paradoxalmente, passa apressadamente pelas considerações e pelos pormenores em jogo, Um Ato de Esperança reafirma sua incapacidade quando Adam (Fionn Whitehead) passa a perseguir Fiona em busca, basicamente, de orientação e afeto. Tal dinâmica é mal apresentada e costurada, rapidamente desgastada pela falta de comprometimento do realizador com as minúcias, com as complexidades que, então, são sufocadas por uma narrativa inconsistente. Emma Thompson sustenta com a habilidade de sempre a altivez combalida dessa protagonista atravessada por incertezas, pois diante da própria falibilidade. Porém, o roteiro e a direção não lhe favorecem, tratando de preterir a densidade em função de uma jornada tortuosamente melodramática, em que certos e errados são dispostos e questionados com semelhante frugalidade. Stanley Tucci vira coadjuvante de luxo nesse filme frágil, que demora a acabar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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