Crítica


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Sinopse

No bairro Centro Habana, coração da capital de Cuba, Miguel sonha em fugir para Nova Iorque. Enquanto espera por um visto que nunca chega, trabalha lavando pratos num restaurante. Diego sonha viver. Prostrado e imóvel pela AIDS, libera toda sua energia em sua estreita cama, no menor quarto do cortiço onde moram. Enquanto Miguel dá comida para Diego, descobrimos que são como a noite e o dia. Diego é gay, positivo, brilhante; Miguel é assexuado, negativo, escuro. Diego é o herói; Miguel, o anti-herói. Mas entre eles existe uma amizade contraditória e indestrutível, sustentada por um passado do qual só eles conhecem o segredo.

Crítica

O principal elemento de Últimos Dias em Havana é a amizade que une Diego (Jorge Martínez) e Miguel (Patricio Wood). Eles moram juntos num cortiço da capital cubana, cercados de personagens peculiares, em situações bastante distintas, ainda que a sentença do título sirva a ambos. O primeiro é homossexual e convalesce na cama por conta da condição de soropositivo. O segundo se encarrega de zelar por sua saúde, tratando de garantir que remédios sejam ministrados no horário correto, além de outros afazeres domésticos, enquanto alimenta o desejo de mudar-se aos Estados Unidos. O cineasta Fernando Pérez investe numa relação de entrega comovente, nem por isso isenta de ressalvas dos dois lados. Diego, por exemplo, reclama da pouca disposição de Miguel para viver longe daquela rotina e aproveitar mais a vida, sem a postura, tida como contrarrevolucionária, de almejar uma evasão ao território mais odiado pelos que seguem os ditames do governo.

A língua de Diego é ferina. Dela saem palavras dolorosas ao amigo amortecido sobremaneira pela espera de uma correspondência que sinalize a possibilidade de ir embora. É uma espécie de mecanismo de defesa, pois ele sabe que a partida de Miguel significa seu desamparo afetivo. Contudo, o realizador trata isso nas minúcias, sem deixar que tal temor se avolume demasiadamente. O grande personagem de Últimos Dias em Havana é Diego, homem que tenta passar seus piores momentos com bom humor, fazendo graça até mesmo das intervenções da irmã e da dificuldade de Miguel para tomar um posicionamento mais solar diante dos infortúnios. Este, por sua vez, é uma figura essencial ao êxito do filme, exatamente porque carrega a melancolia nos ombros, mirando a América do Norte como um oásis de supostos êxitos. A entrada de um garoto de programa na trama ameaça causar distúrbios capitais, mas desemboca no crescimento da “família“ do enfermo.

Últimos Dias em Havana é um drama atravessado por doses pertinentes de graça que, inclusive, deixam mais leve a transmissão dos subtextos políticos. A condição paupérrima das pessoas, os cenários carcomidos – com as habitações caindo aos pedaços do cortiço no qual se passa praticamente a história inteira –, são reflexos de fragilidades da política do Estado. Fernando Pérez, com muita habilidade, transforma uma batida policial em crítica social, com a servidora pública, suando as bicas por conta do calor constante, verbalizando seus infortúnios trabalhistas enquanto cumpre ordens judiciais. A sobrinha de Diego, Yusisleydis (Gabriela Ramos), é um raio de esperança que irradia de onde menos se espera. Alternando a ansiedade própria da adolescência e ideias muito claras/específicas acerca do que deseja para sua vida, ela dilui os vícios da interação cotidiana entre o tio e Miguel. Ao acamado cabe tentar resolver algumas coisas antes que a morte seja uma sombra muito expressiva para resistir.

Há fragilidades em Últimos Dias em Havana, sendo a mais evidente delas a cena em que Diego conversa com o garoto de programa depois de realizar o desejo de “ver novamente uma genitália em três dimensões”. Fernando Pérez aposta num diálogo meramente expositivo para acessar o passado que une os protagonistas, ao invés de nos informar paulatinamente. Assim, de maneira concentrada, sabemos o estritamente necessário para compreender um pouco melhor a devoção de Miguel. Todavia, o efeito desse expediente facilitador não compromete o todo, visto que o filme se mantém na esteira da sutileza, evitando fazer dos dados uma simples mercadoria de barganha pela atenção e adesão do espectador. A solidariedade também surge como componente imprescindível à superação de tempos difíceis. A doença terminal impõe uma dura realidade, a da falência física de Diego, livre tanto para viver quanto para morrer, diferentemente de Miguel, que parece tão ou mais doente, mas de desilusão.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
8
Leonardo Ribeiro
8
MÉDIA
8

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