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Sinopse

Ao longo de sua vida, uma adolescente viveu cheia de restrições e cuidados devido aos seus problemas de alergia a tudo que se possa imaginar. E agora, que se apaixonou pelo garoto que mudou para a casa do lado, não faz a mínima ideia de como agir.

Crítica

A vida de Maddy vai até onde alcança sua vista – e essa não se estende por muito longe. Afinal, a garota passa seus dias trancada dentro de casa, e tudo o que o que conhece é o que vê através das muitas janelas a que tem acesso: seja a do próprio quarto no andar de cima, as grandes paredes de vidro do seu estúdio – que lhe permitem criar uma falsa sensação de estar “lá fora”, como ela mesma diz – ou as eletrônicas, como a televisão e o computador. E isso se deve a sua condição muito especial, por sofrer de uma doença rara da qual pode ficar doente a qualquer instante. Tudo e Todas as Coisas, portanto, é mais o drama desta menina que pode ficar infectada – e, por consequência, morrer – apenas por respirar um ar que não seja controlado, e menos como ela lida com a situação que enfrenta diariamente a partir da descoberta do primeiro amor. É um retrato que deveria ser romântico e repleto de gestos de coragem, desprendimento e entrega, mas que, infelizmente, resulta em um quadro de egoísmo, violência psicológica e autopreservação.

A partir deste ponto, é importante ficar claro que este texto irá conter spoilers sobre o desenlace dos acontecimentos de Tudo e Todas as Coisas. E isso se dá porque – bom, vocês foram avisados – o filme, assim como a existência da protagonista, foi inteiramente construído a partir de uma mentira. E enganar um personagem, ainda que o principal, é uma coisa – ruim, é claro, mas compreensível e necessária dependendo de cada caso. Agora, iludir o espectador é simplesmente falta de confiança na audiência e uma gigantesca demonstração de desrespeito. E não que o filme não proporcione envolvimento – até porque, são apenas dois (ou no máximo quatro) figuras em cena na maior parte do tempo. A questão é que qualquer expectativa criada a respeito não apenas resulta em frustração, mas em simples embuste. E, para piorar, tal desfecho é tratado com um descaso que beira a irrelevância, tanto no campo da ficção quanto na relação do filme com seu público.

Maddy nunca saiu de casa e teve sua completa existência entre quatro paredes. Só se relaciona com a mãe e com a enfermeira – e ambas, para entrar e sair dali, passam por um completo processo de esterilização e limpeza. Mas quando a jovem descobre que um garoto da sua idade é seu novo vizinho, tudo aquilo pelo qual sempre viveu parece ser esquecido com impressionante rapidez. Questionamentos e dúvidas não existem – e o mais surreal, é que assim se dá em ambos os lados. Primeiro, são trocas de olhares furtivos. Depois, conversas por cima da cerca ou trocando mensagens pelo celular. Logo surge a possibilidade de uma visita – com todos os cuidados necessários, ainda que não sejam suficientes. E quando ela o vê discutindo com o pai, nem hesita em sair pela porta da frente para socorrê-lo. Os próximos passos, portanto, são bastante previsíveis. A mãe dela considera o rapaz uma má influência, e os proíbem de continuarem em contato. E o que dois adolescentes fazem quando isso acontece – ao menos no cinema? Fogem, é claro.

Tudo e Todas as Coisas até poderia ser um drama sobre um menino e uma menina, cada um com seus próprios traumas, que decidem abrir mão de tudo para ficarem juntos, nem que o preço deste instante de felicidade seja alto demais. Mas nem toda Nicola Yoon (autora do livro no qual o filme é baseado) é Willian Shakespeare, e o que temos aqui está (muito) longe de ser um Romeu & Julieta. Esse mesmo artificialismo se reflete em toda a estrutura: do figurino esquemático – o garoto branco só se veste de preto, a mocinha negra só usa roupas brancas – à direção de arte superficial e óbvia, passando pela direção da desconhecida Stella Meghie (Jean of the Joneses, 2016), tão maniqueísta e repleta de boas intenções quanto o inferno. Mas nada pior do que as atuações. Amandla Stenberg e Nick Robinson são tão expressivos quanto uma parede, fazendo da tarefa de acreditar no amor dos dois um grande desafio. E o que dizer de Anika Noni Rose (Dreamgirls: Em Busca de um Sonho, 2006), que por apatia e insensibilidade conseguiu fazer dessa mãe um dos tipos mais odiados da recente temporada?

Se a sensação de falsidade que permeia Tudo e Todas as Coisas é presente do início ao fim da trama, é ainda mais irritante perceber que isto é uma escolha da narrativa, e não uma consequência resultante de mera incompetência. Tem-se, portanto, uma história que não se sustenta por si só, que não convence em nenhum momento e que falha miseravelmente ao se posicionar como um novo A Culpa é das Estrelas (2014) – um título que já era problemático por se contentar em apenas reciclar velhas fórmulas, mas que perto deste aqui ganha pontos simplesmente por não se arriscar a reinventar a roda. Neste cenário, frases como “qualquer pessoa fica doente” ou “tudo isso fiz para o seu bem” soam quase irresponsáveis, e a ausência de medidas mais drásticas e consequências reais perto dos absurdos reunidos servem apenas para aumentar o desconforto diante desse lobo em pele de cordeiro, que até chega de mansinho, mas fica apenas na tentativa de justificar o inexplicável – obviamente, sem sucesso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Bianca Zasso
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MÉDIA
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