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Sinopse

Mesmo reconhecido como um dos grandes roteiristas de Hollywood, Dalton Trumbo viveu uma situação dramática quando se recusou a cooperar com o Comitê de Atividades Antiamericanas do congresso dos Estados Unidos. Preso e posteriormente proibido de trabalhar, ele demorou anos para vencer o boicote do governo.

Crítica

Além de ser cinebiografia de um dos grandes roteiristas de Hollywood, Trumbo: Lista Negra é uma tentativa de resgatar das sombras o martírio dos encurralados pelo Comitê de Atividades Antiamericanas, órgão do congresso dos Estados Unidos. No fim da década de 1940, Dalton Trumbo, então um criador altamente requisitado, foi incluído na lista de profissionais impedidos de trabalhar na “Meca do cinema”, por não cooperar com as investigações de uma suposta infiltração bolchevique na América. A insubordinação, comportamento consonante com o de diversos colegas que, dessa maneira, também ficaram anos sem poder desempenhar suas funções oficialmente, perdendo, inclusive, o direito de usar os próprios nomes, lhe valeu uma temporada na cadeia e a censura pública de cidadãos apavorados pela campanha do Estado, que pregava a necessidade de proteger o famigerado jeito americano de viver. Sob esta ótica, os comunistas eram vistos exatamente como traidores.

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O filme do diretor Jay Roach se propõe a cobrir diversos anos da trajetória conturbada de Dalton Trumbo, ou seja, tem bastante história para contar e muitos meandros para levar em consideração. Não o faz sem certa superficialidade, mas é louvável a intenção de ser o mais abrangente possível, de apresentar o protagonista na luta contra a intolerância ideológica, sem deixar de mostrar como a cruzada, em dado momento, fez dele insensível às necessidades de sua família. Bryan Cranston, mais conhecido do grande público por ter interpretado Walter White no seriado Breaking Bad, emula excepcionalmente a ferocidade e o empenho desse artista que se tornou vítima da perseguição patrocinada midiaticamente por figuras como a ex-atriz Hedda Hopper (Helen Mirren). Trumbo vai do céu ao inferno, levando consigo a mulher e os filhos, que permanecem ao seu lado, mesmo sentindo cotidianamente os efeitos colaterais da sua personalidade determinada e obsessiva.

Em Trumbo: Lista Negra, ainda que pese certa romantização dos fatos, e que episódios sejam suprimidos, talvez em função de uma duração menos proibitiva para o mercado, há bons espaços às áreas cinzentas do homem que, acuado, criou um esquema responsável por implodir a conjuntura totalmente desfavorável. Num primeiro momento, são os amigos, sobretudo o também roteirista Arlen Hird (Louis C.K.), que expõem verbalmente as contradições. Trumbo defende ferozmente uma causa essencialmente socialista, mas, ao mesmo tempo, desfruta sem culpa os prazeres da burguesia. Um aparente contrassenso, felizmente problematizado. Roach evita as classificações definitivas. A convivência doméstica gradativamente mais complicada deflagra as inconstâncias do gênio de Trumbo. Entretanto, no fim das contas, isso reforça, para o bem e para o mal, a coroação de sua bravura.

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A arte sobrepuja o obscurantismo. Esta é a ideia aparentemente reforçada na parte final de Trumbo: Lista Negra, filme agradável e instigante de ver, que, se não mergulha fundo nos múltiplos fatores e complexidades inerentes aos anos de paranoia anticomunista, ao menos oferece um panorama esmerado, conduzido competentemente de maneira sutil, sem maiores malabarismos. As participações capitais de figuras notórias como Kirk Douglas, Otto Preminger e John Wayne (cowboy que se colocou no extremo oposto da turma liderada por Trumbo, pois um conservador empedernido), e os bastidores de filmes emblemáticos, como Spartacus (1960), são brindes aos cinéfilos, pois acrescentam familiaridade à trama. Contudo, a mensagem verdadeira, e menos epidérmica, contida no encerramento do filme, é a de que as ideologias fraquejam frente ao poder do capital, o ditador da proclamada terra das oportunidades. Sabendo disso, Trumbo mostrou-se imprescindível por fazer sucesso e gerar lucro, algo, definitivamente, mais importante para Hollywood do que a defesa desta ou daquela posição político-social.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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