Crítica


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Sinopse

O Uruguai, primeiro país a legalizar a maconha, passa por uma crise de abastecimento da planta. Para resolver a situação, um grupo que finge representar a Câmara Uruguaia da Maconha Legalizada viaja para os Estados Unidos na tentativa de voltar com 50 toneladas de cannabis. Ao longo da saga, se encontram com diversas autoridades que realmente acreditam que se trata de uma comitiva oficial.

Crítica

Tragam a Maconha é um falso documentário nos moldes de Borat (2006), ou seja, marcado pela interação de personagens fictícios com pessoas reais que não sabem dessa proposta de encenação. O protagonista é Alfredo (Denny Brechner), farmacêutico que ganha notoriedade ao oferecer brownies de maconha para clientes, isso tão logo o Uruguai se torne o primeiro país do mundo a descriminalizar o uso recreativo da cannabis. Os diretores Denny Brechner, Alfonso Guerrero e Marcos Hecht mesclam narrativas jornalísticas factuais e similares inventadas, deflagrando um suposto problema que dificulta a implementação da lei federal. Não sabendo bem como dar conta do processo de produção e distribuição da planta, o presidente Pepe Mujica, prestes a embarcar pela primeira vez para os Estados Unidos, supostamente incumbe Alfredo e sua mãe (Talma Friedler) de irem antes à terra do Tio Sam para descobrir uma solução viável. Eles precisam viabilizar a chegada de 50 toneladas da erva a fim de suprir a larga demanda.

Os dois latino-americanos, portanto, desembarcam completamente sem noção no território estrangeiro, visitando eventos de verdade, como simpósios de adeptos da maconha, reuniões e feiras repletas de tipos folclóricos. Eles se apresentam como líderes de uma instituição uruguaia inexistente, mas são tratados como verdadeiras celebridades em alguns casos, especialmente pela origem portenha. Autoridades trocam cartões com a dupla, gente se aproxima com entusiasmo, e o espectador, gradativamente, perde a noção entre o genuíno e o encenado. A interação entre Alfredo e sua mãe é impagável, nela arrastando os desavisados que são pegos de surpresa por situações absolutamente inusitadas. Chega-se ao ponto de, numa conversa com o embaixador uruguaio, Talma fingir-se indisposta por conta de uma iguaria específica que não lhe caiu bem. Nesse segmento, ainda, há uma prova da capacidade de improviso dos intérpretes, com a atriz tirando da cartola, de pronto, uma ótima analogia com a série Friends.

Tragam a Maconha funciona como uma espécie de raio-x jocoso e, claro, parcial da forma como certos grupos liberais norte-americanos encaram a questão da liberação da maconha. Diferentemente de Sacha Baron Cohen, que aposta em consecutivos embates desconfortáveis para gerar constrangimento nos desarmados interlocutores, Denny, Talma e, adiante, Gustavo Olmos – que vive um policial uruguaio encarregado “oficialmente” de facilitar a importação da erva para o seu país –, se dispõem como palhaços, demonstrando comportamentos totalmente imprevisíveis, mas não cedendo à tentação de incorrer numa ridicularização excessiva. Eles colocam o timming cômico a serviço da eficiência das piadas, como quando encontram o reverendo de uma religião fundamentada na celebração da marijuana, bem como no ato de fumar. A câmera se move como amadora, capturando detalhes aparentemente banais, emulando a falta de jeito e foco. A singularidade surge da fina capacidade de extrair graça das oportunidades.

Um dos destaques deste filme delicioso é a forma encontrada para dar ares oficiais à missão descabida. Os personagens encontram Pepe Mujica algumas vezes, conversando sobre amenidades, como sua plantação de abóboras, mas as posteriores instruções forjadas por telefone dão conta de oferecer a liga necessária para que a mentira pareça crível, obviamente, dentro de um universo abertamente falso. Em nenhum momento Tragam a Maconha quer enganar o espectador, bem longe disso, haja vista a inclinação por observar as condutas exageradas das pessoas e, sequer, questionar como o dispositivo registraria determinadas intimidades. O caráter chistoso é muito evidente, inclusive, nas constantes brincadeiras com estereótipos. Algumas conversas constrangedoras são impagáveis, fruto, sobretudo, da qualidade do elenco, que sabe capturar os momentos e deles fazer cenas relevantes para o conjunto. Com tiradas espertas e humor de qualidade, cativa pela diversão proporcionada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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