Crítica


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Sinopse

As irmãs Norkowski pareciam fadadas a ter uma vida repleta de glamour e sucesso. Mas, Rose e Norah não tiveram tanta sorte quanto as suas adolescências prometiam. Um dia, Rose recebe a dica de que o trabalho de limpar cenas de crime é altamente lucrativo. Ela investe todos os seus recursos nesse novo negócio e recruta a irmã para ajudar.

Crítica

Ir ao cinema com expectativas é pedir pra se decepcionar. Mas, dessa vez, tive sorte. Trabalho Sujo, para aqueles com um pouco de alma, é capaz de aguçar um pouco de tudo dentro da gente. Dos mesmos produtores de Pequena Miss Sunshine, além do título semelhante, traz também um pouco de sentimento para uma tela sempre tão cheia de fantasia e mesmice. É um filme realista, e por isso mesmo um tanto pesado. Mas, às vezes, é disso mesmo que a gente precisa. A premissa de Trabalho Sujo é' simples, mas a história e a maneira como ela é contada, não. Amy Adams é Rose Lorkowsk, a queridinha do colegial, que no alto de sua adolescência como chefe de torcida e namorada do Sr. Popular achava que a vida seria mais fácil. Mero engano. Hoje, mãe solteira, trabalha como faxineira e tem um caso com um homem casado – que, sim, vem a ser o mesmo namorado dos tempos de colégio. Pra completar uma vida já patética, ela precisa ainda lidar com uma família tão ou mais perdida. Sua irmã Norah (Emily Blunt) acaba de ser demitida de mais um emprego, e o pai delas, Joe (Alan Arkin), demonstra no dia a dia de onde as duas herdaram tal aptidão para o fracasso.

Mas não culpemos os três de antemão. Afinal de contas, fica claro que eles cresceram sem uma das peças fundamentais de qualquer família: a mãe, e por uma razão que nunca traz paz de espírito – o suicídio. Esta morte é sentida durante toda a trama, principalmente em momentos singelos, em que conseguimos sentir toda a dor e a indignação por ter que conviver com tal ausência. A vida de Rose, que já não andava lá essas coisas, piora quando seu filho Oscar (Jason Spevack) é convidado a se retirar da escola que frequentava e ela se vê à procura de uma escola particular, ainda mais cara do que a anterior. Para sua sorte, seu amante, que é policial, comenta que os limpadores das cenas de crime geralmente conseguem faturar um bom dinheiro com tal função e é assim que Trabalho Sujo nasce. A bordo de sua van, Rose e Norah embarcam nessa jornada que envolve muito mais do que limpar e remover sujeira onde antes habitavam pessoas. Elas passam a questionar não só as vidas daqueles que ali residiam, mas também as próprias. As cenas são um tanto quanto instigantes, quando nos deparamos com o sangue nessa forma tão associativa com a morte. Mas morte é o tema central do longa. Impossível não questionar e refletir a respeito. Os personagens são colocados em situações deprimentes desde cedo, e é sentido em cada passo o quanto eles são afetados por esse fato da vida de que não temos controle e que, infelizmente, temos que conviver pelo resto da nossa existência.

Um dos maiores méritos do filme é esse time maravilhoso de atores, que consegue em cada cena nos prender e nos emocionar. Amy Adams, a queridinha do Oscar após seu trabalho em Dúvida, encontra nesse gênero um conforto impressionante, e Rose é o retrato dessa caricatura de tantas mulheres americanas que se vêem com um futuro perfeito mesmo antes de conquistá-lo e acabam, assim, presas no estereótipo sem alcançar nada, sofrendo no dia a dia com os resultados de uma vida pela metade. Emily Blunt está simplesmente perfeita em cena. A dor e o desespero que Norah sente por não entender até hoje a perda da mãe é palpável. Suas cenas são de uma forca extrema, o que mostra o poder dessa atriz que até então não havia conquistado muito reconhecimento. Alan Arkin deveria ser contratado como o avô oficial de toda produção independente. Não há nada mais prazeroso do que assistir suas exaltações, sejam elas por indignação ou por afeto. Ele consegue capturar toda a bagagem de uma pessoa que viveu e viu muito mais do que alguns um dia desejariam. Sunshine Cleaning não tem tido um reconhecimento muito grande na mídia. E o culpado, em minha opinião, está na maneira com que o filme foi divulgado. Todo trailer trazia ao final um grande "Dos mesmos produtores de Pequena Miss Sunshine". Sim, é quase impossível não comparar uma van com uma kombi, o mesmo avô com uma criança tentando se entender, sem falar no título com a mesma palavra. Em alguns momentos tal associação acabou por atrair o público, mas infelizmente, para alguns, será impossível separar os dois passado o início da trama.

Pequena Miss Sunshine, apesar de ter momentos de dor intensa, era um filme mais leve, que trazia como personagem principal uma garotinha com sonhos, ao lado de uma família um tanto peculiar. Trabalho Sujo, por outro lado, não apresenta muito de humor, e seus personagens são peculiares apenas na maneira leal com que retratam pessoas comuns, com sonhos despedaçados e expectativas destruídas. Eu não vou ofender a obra traçando mais comparações, pois acredito que o filme mereça mais respeito. Ele é único, e na verdade não precisava desse empurrão para ser bem sucedido. Não também que ele tenha conquistado muito sucesso. Mesmo sendo um dos queridinhos do Sundance desse ano, estes elogios não estão sendo refletidos na venda de ingressos. Abrindo em poucas salas há mais de um mês, arrecadou apenas US$ 7 milhões ao longo desse período de exibição. Uma pena, mas feliz de quem passar por cima de tal número.

Quem for ao cinema irá se surpreender com o resultado. Mas é preciso ir com a mente limpa e o coração aberto. É na sutileza que o filme alcança todo seu potencial, nessa maneira tão delicada com que fala de perdas, desse pavor tão grande que o ser humano tem de algo inevitável. O longa aborda os assuntos com respeito, de uma maneira singela com que nos chocamos com a visão da morte, mas que aceitamos que pra ela vir acontecer, é porque antes existiu uma história, mesmo que uma vivenciada sozinha. Trabalho Sujo, apesar do nome, não tem nada de ensolarado. O filme é dark, angustiante e triste. De alguma maneira, no entanto, o sentimento alcançado no final é de claridade, e que a vida, mesmo que às vezes considerada pequena aos olhos dos outros, merece ser vista por sua grandeza.

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se alimenta nao só de chocolate, mas de filmes, livros, amigos e televisão. Prefere não mencionar música, já que tem a certeza absoluta de que vai ser presa pela quantidade de downloads feitos diariamente. Gosta de coisas toscas, mas também inteligentes. Tosquice é um estado de espírito, já dizia um sábio. Tosco, claro.
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