Crítica


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Sinopse

Suspenso da principal liga do futebol americano depois de um escândalo, o treinador Sean Payton é levado a liderar o time juvenil Warriors, assim comandando seu filho. Ele pensa basicamente em recuperar a glória perdida.

Crítica

Algumas premissas são exploradas à exaustão em Hollywood. Uma delas é a do profissional reconhecido que ajuda perdedores a se tornarem vencedores enquanto cumpre um período forçado no purgatório. Pense bem: a quantos filmes você assistiu que tem o mesmíssimo argumento? Então, o que se espera de um realizador quando ele decide contar novamente uma história dessas? Que ofereça um toque de personalidade? Que subverta os códigos já tão surrados desse tipo de trama? Que ao menos demonstre autoconsciência ao recorrer a lugares-comuns? Não é o que acontece infelizmente em Time do Coração, uma comédia sem graça e que serve de veículo a lições de moral rasas e mal desenvolvidas, ao ponto de tornar parte dos personagens coadjuvantes descartáveis. Baseado em fatos, o longa-metragem assinado por Charles Kinnane e Daniel Kinnane tem como protagonista o treinador de futebol americano Sean Payton (Kevin James). Dois anos após chegar ao topo da principal liga do esporte nos Estados Unidos, a NFL, ele é envolvido num escândalo e precisa aguardar enquanto os advogados apelam de sua suspensão. E você está completamente certo se, a partir dessa descrição, pensou: “e logo depois a superestrela volta à sua cidadezinha de origem para restaurar laços afetivos e conduzir um grupo de moleques desacreditados ao patamar da competitividade”.

O problema nem está na reutilização de uma estrutura batidíssima. Há filmes que lidam muito bem com a missão de reapresentar o que já foi exaustivamente apresentado. Mas, Time do Coração leva a outro patamar a preguiça diante das premissas surradas. Primeiro, por não conseguir emplacar ao menos um par de piadas que quebre a monotonia. Segundo, por desperdiçar um monte de coisas que acontecem a partir do retorno de Sean à cidadezinha texana que o viu crescer. Charles Kinnane e Daniel Kinnane insistem numa estratégia de humor por repetição, ou seja, voltando sempre a circunstâncias que para eles soam engraçadas. Quando o protagonista se hospeda no hotel, a única piada capaz de tirar o zero do placar é o atendente dizendo que a suíte presidencial custa “astronômicos” US$ 125 a diária – o que deixa implícita a natureza provinciana do local. Dali para adiante, os cineastas apenas repetem (sem variações) a sacada da banheira de hidromassagem que faz barulhos bizarros e insistem em jogar a bola para o atendente sem noção que não funciona como um suporte à experiência do personagem de Kevin James. Entre os vários elementos engatilhadas com o retorno do treinador, e que são desperdiçados, está a dificuldade dele de se comunicar com o filho. Meia dúzia de diálogos sem consistência não são suficientes para que esse acerto de contas seja um dos pilares de enredo.

Time do Coração é o cumprimento de um protocolo escrito com uma tinta já gasta e rala. Porém, talvez seja dar créditos imerecidos ao roteiro Keith Blum e Chris Titone ficar falando que ele “percorre um caminho para lá de conhecido”. Isso porque o filme não dá nem conta dos clichês desse tipo de história, queimando etapas e coadjuvantes para chegar a um resultado que conseguimos antever quase completamente desde que Sean pisa no Texas. Tão logo o famoso é incorporado à equipe dos Warriors como responsável pela linha de ataque, fica implícito que pode haver algum atrito com o treinador principal interpretado por Taylor Lautner. Porém, o tempo passa, o forasteiro vai ganhando espaço e o chefe oficial se contenta em ocupar uma posição cada vez mais ilustrativa. E isso não gera nem um conflito na toada “no fim dessa briga tem um pote repleto de aprendizados edificantes para todo mundo”. É impressionante como os cineastas desfocam o personagem de Taylor Lautner ao ponto de ele ser irrelevante. De fato, é uma posição inglória para um ator que já foi colocado em listas dos mais promissores de sua geração (nem que seja pela força midiática) ao ser uma das engrenagens principais da saga Crepúsculo. Ser um “papagaio de pirata” sem nenhum brilho certamente não devia estar nos planos ambiciosos de carreira desse ainda jovem, mas já eclipsado candidato a astro de Hollywood.

Kevin James está no piloto automático como o sujeito arrogante de viseira da cabeça. Time do Coração ainda conta com um desempenho avulso de Rob Schneider na pele do marido natureba da ex-esposa do protagonista. Esse coadjuvante entra em cena para contrapor superficialmente o discurso bruto do futebol americano. No entanto, se ele fosse limado na montagem final não representaria danos ao desastroso resultado. O filme ainda incorre em certos reforços de estereótipo, como o jogador gordinho que chega a pedir pizza durante os jogos. Além disso, a mulher solteira desesperada para encontrar alguém com quem transar, o velho decadente que é mais sem noção do que o recepcionista do hotel (haja saco para tantas gags visuais dele tentando se equilibrar na bicicleta), a ex-esposa meramente decorativa, o menino apaixonado que não consegue vencer a pressão de ter a amada na arquibancada, o motorista mergulhado em nostalgia, todas essas são peças mal enjambradas no trajeto rumo à redenção e aos aprendizados. É curioso que numa sociedade cultora dos vencedores como os Estados Unidos haja tantos filmes esportivos que supostamente afrontem personalidades que celebrem vencedores acima de tudo. Entretanto, por debaixo da fina membrana de “o que importa é competir” está a lógica de um caminho para ser ainda mais vencedor, agora também na vida pessoal. Por isso o encerramento é complacente e as vitórias emocionais também são contabilizadas no placar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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