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Crítica
Um dos destaques do Fantaspoa 2022, O Mestre da Fumaça pode ser definido em poucas palavras como um Karatê Kid com maconheiros. A referência tem motivo. Seu protagonista, Gabriel (Daniel Rocha), e o famoso Daniel-san (Ralph Macchio) da saga norte-americana derivam do mesmo tropo narrativo: são aprendizes de mestres relutantes, cuja missão é receber um conhecimento milenar que os leve a derrotar o inimigo praticamente invencível. Ainda que as produções tenham estilos, formas e tamanhos completamente diferentes, o longa brasileiro e os co-protagonizados por Pat Morita compartilham a fonte: clássicos orientais de artes marciais. Porém, enquanto Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984) e suas sequências assimilam e retrabalham tipos e circunstâncias reconhecíveis dessa fonte, o longa-metragem brasileiro possui contornos assumidamente paródicos. A começar pela atenção dada à maconha como algo fundamental na luta do bem contra o mal. Bruce Lee dizia que os lutadores precisavam ser como a água, ou seja, não ter somente uma forma e com isso serem capazes de adaptação às circunstâncias. Na trama escrita e dirigida por André Sigwalt e Augusto Soares, o elemento simbólico é a fumaça (geralmente saída dos cigarros de maconha) que serve como parâmetro à doutrina.
Então, esse dado cômico fica ainda mais evidente sempre que alguém “curte uma brisa” enquanto evoca a tradição a ser preservada. Desde o começo de O Mestre da Fumaça é escancarado o fato de estarmos diante de um pastiche dos filmes orientais de artes marciais. O prólogo que acontece na China nos anos 1940 não tenta reproduzir o Oriente para ser convincente. Para André Sigwalt e Augusto Soares essa veracidade não importa, pelo menos não se isso prejudicar o clima de nostalgia encarado com toques brasileiros. Então, para eles basta colocar os personagens lutando kung fu à beira de uma lagoa qualquer e afirmar por meio de um letreiro que aquilo se passa na China para fisgar a cumplicidade do espectador. Ao mesmo tempo, os realizadores escancaram a intenção e brincam justamente com a precariedade material de algumas produções orientais que se tornaram referências a despeito das condições adversas. Em linhas gerais, temos um grupo de perseguidos e um time contrário (e excessivo) de perseguidores. Entre os primeiros (os bonzinhos) está Gabriel, o jovem que não está pronto quando chamado a liderar o contra-ataque assim que seu irmão é quase assassinado pelos malfeitores sem um pingo de compaixão. Situação comum em produções que utilizam artes marciais. Podemos identifica-la, por exemplo, em O Grande Dragão Branco (1988), um sucesso de Jean-Claude Van Damme.
Os vilões e os mocinhos exagerados são rasos como pires. Mas, então o que faz de O Mestre da Fumaça um filme divertido e bem-sucedido dentro de suas ambições? Primeiro, a consciente utilização de componentes e estratégias previsíveis a quem gosta desse tipo de trama. É mais ou menos o que Quentin Tarantino faz em todos os seus filmes, ou seja, um pastiche, mas aqui com traços de paródia. Por falar no cineasta norte-americano, a dinâmica inicial entre Beatrix (Uma Thurman) e o ancião Pai Mei (Chia-Hui Liu) em Kill Bill.: Volume 2 (2004) é exatamente igual a de Gabriel e do Mestre da Fumaça (Tony Lee). E isso acontece porque tanto Tarantino quanto André Sigwalt e Augusto Soares buscam inspirações numa fonte que eles tentam honrar por meio da reprodução. Tarantino é mais estiloso e autoral, sem dúvida, mas o realizadores brasileiros se saem bem ao utilizar o treinamento árduo e quase sobrehumano imposto ao protagonista como um capítulo anterior ao clímax, no qual a justiça finalmente será feita. O diferencial da produção em cartaz no Fantaspoa 2022 é situar a maconha como elemento fundamental para a jornada. Em vez de encerar carros e pintar cercas como fazia Daniel-san em Karatê Kid: A Hora da Verdade, Gabriel precisa aprender a arte de apertar baseados, conviver com fumaça, tragar com a maior naturalidade possível. Depois disso, recebe os poderes necessários à vitória redentora.
O segundo motivo que faz de O Mestre da Fumaça um filme divertido e bem-sucedido dentro de suas ambições é a coreografia da ação. A câmera de André Sigwalt e Augusto Soares captura com desenvoltura as cenas de luta, valorizando os movimentos ensaiados nas tomadas um pouco mais extensas. E eles não comprometem quando é necessário fazer uma trucagem para as coisas soarem mais intensas. Falando nisso, é preciso chamar a atenção à qualidade da montagem assinada por Alexandre Britto, componente crucial dessa narrativa saborosa. O roteiro não está preocupado com a previsibilidade, pelo contrário, pois nos oferece exatamente um percurso batido para acentuar a noção de pastiche. Então, sabemos como vai acabar a dura caminhada de um herói improvável que pensa em desistir. Mas ele tem de aprender algo capaz de garantir a vitória de seu grupo de amigos sobre os bandidos que praticamente falam apenas inglês. Se colocassem um pouco mais de tempero próprio nesse pastiche, os cineastas poderiam ter ido além de fazer uma brincadeira com um gênero popular nos anos 1960/1970 e que evadiu as divisas do Oriente por conta da celebridade de figuras como Bruce Lee. No entanto, ambos se contentam com as homenagens e a inserção da maconha como aliado contra a doutrina da vingança. É possível enxergar nisso uma membrana política? Claro, mas nada que defina o discurso do filme, bem mais orientado pelas homenagens e a partilha de uma paixão.
Filme visto em abril de 2022, durante o 18º Fantaspoa.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Alysson Oliveira | 4 |
MÉDIA | 5 |
Muito bom!