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Sinopse

Uma mulher que costumava ser considerada um prodígio do violoncelo passa a perseguir seu mentor e a nova pupila que é o centro de suas atenções, deixando sua busca por perfeição tomar um rumo sinistro.

Crítica

A capacidade de ocultar a psicopatia por trás de um semblante de aparente normalidade, demonstrada pela atriz Allison Williams em Corra! (2017), serve como ferramenta catalisadora das intenções do diretor Richard Shepard em The Perfection. Na trama, Williams interpreta Charlotte, musicista prodígio que, ainda jovem, foi obrigada a interromper sua carreira como violoncelista para ficar ao lado da mãe doente. Anos depois, com a morte da senhora, a personagem se vê livre para retornar ao universo da música, entrando em contato com seu antigo tutor, Anton (Steven Weber), e viajando ao encontro do mesmo na China, onde comanda uma seletiva para a escolha da mais nova aluna de seu conservatório. O maior interesse de Charlotte, entretanto, se mostra direcionado a Lizzie (Logan Browning), a atual protegida de Anton. Apesar do tratamento cordial e de admiração mútua entre as duas – com Lizzie afirmando que Charlotte teria sido sua grande inspiração quando criança – um sentimento de ciúme patológico é sugerido desde o início, indicando que tal aproximação seria parte de um plano da protagonista para recuperar o lugar que acredita lhe ter sido roubado.

Shepard, contudo, se revela disposto a manipular constantemente essas expectativas, fazendo com que praticamente todas as primeiras impressões construídas sejam logo subvertidas. Por este motivo, a habilidade de Williams para transitar entre espectros psicológicos distintos com naturalidade é fundamental para o diretor que, em certa medida, busca a mesma mescla de gêneros alcançada por Jordan Peele em seu citado trabalho de estreia, porém, sem o peso da alegoria social/racial. Não tendo este viés crítico tão agudo, Shepard se permite abraçar sem pudores o pastiche absurdo. Uma abertura ao exagero que por vezes beira a histeria e se dá já na espécie de prólogo da história, quando as imagens da jovem Charlotte se misturam com as do presente, entre olhares aflitivos e gritos de desespero cortante, enquanto a personagem observa a mãe recém-falecida e ouve os comentários feitos pelas tias.

No primeiro ato, com a mesma naturalidade de Williams, Shepard conduz seu filme do thriller de vingança ao terror psicológico de tintas fantásticas, flertando com o grotesco e com algumas doses de ironia. Ainda que sem apresentar uma visão autoral mais patente, a trajetória do cineasta, que nos últimos anos vem se dedicando mais às séries de TV, aponta para a versatilidade e para este trânsito competente entre gêneros – o suspense policial de 24 Horas Para Morrer (1999), a comédia de O Matador (2005), o filme de gângster britânico em A Recompensa (2013). Aqui, essa capacidade é colocada à prova para dar vida a todas as mudanças de tom e reviravoltas do roteiro, criando uma narrativa verdadeiramente imprevisível e sempre envolvida por uma atmosfera de estranheza e incômodo. Tudo construído com um grande cuidado estético, pelos planos elegantes que evocam o refinamento do ambiente da música erudita e pelas belas composições de cores e luzes da direção de fotografia do croata Vanja Cernjul.

Tal conjunto apresenta consideravelmente mais força em sua primeira metade, que traz cenas, de fato, angustiantes e de impacto, protagonizadas por Charlotte e Lizzie em uma viagem infernal de ônibus pelo interior da China. É em sua metade final, quando apresenta um turbilhão de guinadas no roteiro, que o longa expõe mais abertamente as suas fragilidades. O fator inesperado passa a soar artificial e nem sempre honesto, em particular no uso do artifício de regressão na trama para mostrar acontecimentos já ocorridos sob uma nova perspectiva. Há também a questão delicada que envolve a revelação do segredo central, fazendo com que o trabalho de Shepard caminhe na linha tênue da banalização e da exploração vazia de tal tema em busca meramente do choque.

Além disso, os excessos de The Perfection, como os da violência gráfica - responsáveis por fazer com que o riso e o horror caminhem sempre muito próximos – embora presentes desde o princípio, terminam esbarrando no ridículo, o que dilui parte do impacto que momentos como o desfecho poderiam ter. Embora estes pontos tornem o produto final errático, não se pode dizer que Shepard não tenha tido a coragem de correr riscos, trabalhando parte destes com desenvoltura e gerando tensão e surpresas genuínas. No fim, ao contrário do título, são justamente as imperfeições que trazem personalidade a um longa que, entre todos os sentimentos, não deve provocar a indiferença.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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