Crítica

Dom Hemingway adora seu pênis. Ele pensa com ele, inclusive. E acredita que o seu membro deveria ganhar uma medalha, caso pudesse. O personagem de Jude Law deixa isso bem claro nos primeiros minutos de A Recompensa, curiosa dramédia escrita e dirigida por Richard Sheppard. Ironia do destino, Dom periga ser separado de seu “melhor amigo” após entrar em uma aposta estúpida – palavra que pode definir muito bem o personagem principal deste longa-metragem. Um pesadelo para qualquer homem e motivo de óbvio desespero para o explosivo Dom. Mas antes de entrar nesta aposta esdrúxula, muitas coisas acontecem com este divertido ladrão, interpretado com vontade por Law.

Na trama, Dom Hemingway é um arrombador de cofres que passou os últimos doze anos preso, sentença cumprida por não querer delatar seu chefe, o perigoso Ivan Fontaine (Demián Bichir). Ao sair do confinamento, a primeira atitude de Dom é procurar pelo homem que casou com sua ex-mulher e esmurrá-lo até deixá-lo inconsciente. Hemingway tem dessas. Tem pavio curto e pensa pouco em suas atitudes. Ao reencontrar seu melhor amigo, Dickie (Richard E. Grant), revela que é chegada a hora de receber o que merece de Ivan. Os anos de silêncio finalmente serão recompensados, é o que ele espera. Ao chegar à mansão do chefe, o dinheiro que ele tanto almejava é entregue, mas um acidente coloca tudo a perder. Quebrado, sem nenhuma perspectiva, Dom vai ao encontro da filha, Evelyn (Emilia Clarke), com quem não tem um bom relacionamento. É o começo da mudança na vida daquele ladrão. Ou ele seria mais estúpido do que imaginamos?

Jude Law engordou treze quilos para interpretar o personagem título e parece se divertir com a empreitada. Ainda que muitos tenham apontado este filme como um ponto de virada na carreira do ator, que estaria abandonando a figura de galã para papéis diferentes, isso está longe da verdade. Em Estrada para Perdição, em 2002, Law já havia passado por transformação – naquela ocasião, perdendo peso e cabelo para viver o famigerado Harlen Maguire. Agora, o ator ganha alguns quilos e carrega no sotaque para viver o limitado Dom Hemingway – um homem que se acha tão esperto que não consegue enxergar a burrice de seus caminhos. Law exagera nas tintas para compor o personagem, construindo uma caricatura ao mesmo tempo divertida e um tanto artificial. O drama do reencontro com a filha parece caído de paraquedas na história. Uma forma de transmitir alguma humanidade para um sujeito que parecia pensar apenas em dinheiro.

O protagonista está tão a vontade no papel que acaba não deixando espaço para seus coadjuvantes mostrarem alguma coisa. Demián Bichir, por exemplo, tem pouco mais de dez minutos em tela e nunca soa ameaçador o suficiente. Ao menos não ao lado de Hemingway. Ainda que o arrombador de cofres se mostre temente ao chefe em um momento de sobriedade, nunca nos convencemos de que Ivan é o diabo que o pintam. Da mesma forma, Richard E. Grant tenta surfar na onda do exagero de Jude Law e peca ao colocar toda sua energia em sua linguagem corporal. O fato do personagem ter uma mão falsa não ajuda o ator, que entrega uma atuação aquém do esperado.

O mais interessante de A Recompensa acaba sendo o humor negro, bem empregado pelo cineasta Richard Sheppard, e as discussões sobre a ética do ladrão. Por pior que seja o contraventor, existe um código de conduta que barra algumas atitudes. Ao menos, é isso que Dom acredita. Quando Lestor (Jumayn Hunter), seu antigo desafeto, é desonesto, Hemingway lança mão da ética entre ladrões. É nesse momento que o protagonista percebe que sempre viveu por este código e sempre se deu mal por causa disso. Uma pena que este trecho seja curto, mas a discussão acerca disso e a epifania de Dom valem o momento.

Com narrativa solta e trilha sonora roqueira (destaque para Primal Scream e Pixies), A Recompensa é rápido, divertido e exagerado. O politicamente correto passa longe, o que é algo válido para tempos tão sisudos e certinhos. Afinal de contas, Dom Hemingway passou encarcerado por 12 anos e se distanciou completamente de qualquer mudança no comportamento da sociedade. Seu modo de vida é cru, rústico, assim como seu linguajar. O filme acaba sendo um reflexo disso. Para o bem e para o mal.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
avatar

Últimos artigos deRodrigo de Oliveira (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *