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Crítica

Cineasta acostumado a estudar os efeitos da violência, decorrências de situações extremas e geralmente mostradas sob o impacto de cenas fortes, o sul-coreano Chan-wook Park aparenta mais inclinação às coisas do amor em A Criada. Isso é evidenciado não apenas pelos rumos que a trama toma na sua primeira metade, mas também em virtude da composição visual. A câmera passeia com elegância por cenários estilizados, explorando a representatividade dos espaços com vagar e minúcia, ora aproximando-se, ora distanciando-se, com semelhante interesse, dos personagens dessa ciranda de mentiras e sensualidade. Sook-Hee (Kim Tae-ri) é uma menina pobre, órfã sob a tutela de ourives que vivem primordialmente de falsificações. Ela é recrutada por um aproveitador que almeja a fortuna de Hideko (Min-hee Kim), herdeira prometida ao tio viúvo e bem mais velho. Infiltrada como criada, a garota precisa convencer a patroa a mudar de ideia e a casar com o falso Conde.

Hideko é uma mulher fria, dependente em quase tudo das empregadas, principalmente de Sook-Hee, que passa a ser sua sombra, ajudando-a desde o banho até o vestir-se para ocasiões especiais, inclusive as misteriosas num local interditado aos subalternos. Aliás, a propriedade enigmática é um símbolo desses específicos anos 1930 nos quais o enredo transcorre. Mesmo que na Coréia, as edificações ostentam arquiteturas inglesa e japonesa, deflagrando, assim, algumas das influências que tomavam de assalto o país durante a ocupação nipônica. A Criada ganha em erotismo quando a senhora e a criada começam a desejar-se, algo muito bem retratado por Chan-wook Park nos jogos de olhares, na maneira como se alternam os toques e as reações físicas que denotam excitação. O desabotoar de um vestido, o dedo de uma na boca da outra, tudo acaba convergindo à cena em que elas finalmente se entregam à luxúria, filmada com intensidade e beleza, num crescendo de ebulição.

A despeito do refinamento com que registra essa paixão avassaladora nascida entre a trambiqueira e a ingênua, A Criada parece caminhar a passos largos em direção a desdobramentos comuns, com a menina arrependida de sua missão, pois totalmente envolvida por aquela a quem deveria enganar. Porém, uma reviravolta impressionante, quando o plano do Conde (Jung-woo Há) ensaiava se concretizar, não sem danos colaterais melancólicos às amantes, muda completamente todas as perspectivas, tanto que Chan-wook Park resolve recontar boa parte do que já havíamos visto, agora se valendo de outros ângulos, ressignificando praticamente o filme na íntegra. Mais do que uma aposta alta no elemento surpresa, essa guinada traz consigo uma série de artifícios que adicionam camadas substanciais ao que até então se desenvolvia com certo grau de previsibilidade, uma sequela pensada justo para ser demolida adiante com precisão e bastante dramaticidade.

A violência que caracteriza a obra de Chan-wook Park aparece gradativamente em meio aos sortilégios dos personagens, como resultados naturais das constantes alterações dos rumos da história. O sexo, antes visto como um ato de consumação do amor de Sook-Hee e Hideko, ganha contornos perversos, sobretudo nas sequências que apresentam a leitura de poesias eróticas a uma plateia ávida. O roteiro do longa-metragem prima por subverter repetidamente nossas expectativas, num ritmo acelerado, ampliando ainda mais a sensação de instabilidade prevalecente nesse entorno totalmente desfavorável aos bons sentimentos, com pouca propensão aos finais felizes. Não faltam mutilações físicas, mas a brutalidade que verdadeiramente importa nesta realização é a psicológica. Romântico, feroz e altamente sensual, A Criada é mais um trabalho notável de Chan-wook Park, cineasta cujo estilo se aplica muito bem à ideia de esquadrinhar o pior do ser humano, sem com isso soar niilista, pois também aberto às eventuais brechas de luz que amenizam as sombras dominantes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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