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Crítica
O caçula imaturo de uma equipe de super-heróis interfere no curso natural das coisas e acaba provocando um grave incidente multiversal. Por fim, ele amadurece durante a resolução do problemão. Essa é a premissa de The Flash, mas poderia ser perfeitamente utilizada para resumir Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (2021). Peter Parker recorreu ao Doutor Estranho para apagar a sua identidade secreta da memória do mundo e com isso provocou rupturas no tecido que separa os universos. Barry Allen (Ezra Miller) descobre acidentalmente que corre mais rápido do que a velocidade da luz e com isso bola o plano de voltar ao passado para evitar a dolorosa morte de sua mãe. Ambos os heróis são impulsionados por algo que mobilizou outros personagens da ficção: e se pudéssemos mudar o que destruiu o nosso mundo? Essa semelhança de conceitos não é novidade na relação de competição (amor/ódio) entre Marvel e DC Comics – várias figuras e arcos nascidos em uma são replicados com pequenas diferenças na outra. E, de fato, no primeiro filme solo do membro mais veloz da Liga da Justiça (depois do Superman, diriam alguns) são muitas as afinidades com o terceiro longa da versão atual do Amigão da Vizinhança. Entre elas, a decisão que leva ao cataclismo acelera o crescimento emocional/moral do rapaz. Mas, enquanto Peter é visto como aquele que aprende com as suas versões mais velhas, aqui Barry (o do presente) é quem serve como mentor à sua imatura variante multiversal.
Se você assistiu aos trailers e teasers de divulgação de The Flash, provavelmente terá poucas surpresas ao longo dos mais dos 140 minutos do longa-metragem dirigido pelo argentino Andy Muschietti. Das principais participações especiais aos momentos apoteóticos, quase tudo tinha sido revelado pelo departamento de marketing da Warner/DC nas peças de publicidade. O que, convenhamos, tira muito da graça e do impacto emocional de cenas como a do Batman (Michael Keaton) pronunciando sua fala icônica “Eu sou o Batman”. São realmente raros os instantes surpreendentes, geralmente referências a outras encarnações dos principais super-heróis da editora no cinema e na televisão. A trama propriamente dita mostra Barry se surpreendendo com a sua capacidade de navegar entre as tramas temporais e aterrissando no passado para tentar mudar o seu solitário presente de orfandade (mãe morta e pai encarcerado). Ao recuar no tempo, ele se depara com sua versão de 18 anos, ainda sem os poderes trazidos por uma combinação improvável de elementos químicos e raio caído do céu. Porém, o protagonista não imaginava que esse mundo seria diferente do seu em certas medidas, com diversas variantes e poucas constantes familiares. Batman é outra pessoa, o Superman Kal-el tem destino diferente, mas Zod (Michael Shannon) continua vindo à Terra para conquista-la e reviver seu lar, Krypton.
O Barry do passado é o herói relutante diante do chamado à aventura, mas que prova seu valor ao longo da jornada de amadurecimento. O Barry do presente é o mentor que guia a sua versão mais nova ao aprendizado, com isso demonstrando capacidade para ser mais do que o garoto-prodígio do Batman – mesma curva dramática de Peter Parker, que provava ser mais do que o garoto-prodígio do Homem de Ferro. Absolutamente tudo gira em torno dessas jornadas paralelas e complementares dos Barry, mas que não fazem de The Flash um filme sério sobre sentimentos, traumas e sensações adultas. Para além das polêmicas pessoais, Ezra Miller havia provado em outros trabalhos ser um ator com repertório, algo que nessa nova superprodução é apenas parcialmente valorizado. Adolescente irritante e espalhafatoso, o Barry do passado ganha espaço e constantemente suplanta a seriedade do Barry do presente, este que carrega as tintas trágicas do personagem. Andy Muschietti opta por dar mais tempo e importância ao teor cômico, com isso sabotando itens como: os aspectos da tristeza do herói, a obsolescência do Batman de Michael Keaton e a personalidade forte da Supergirl (Sasha Calle). Não à toa, Batman e Supergirl são rebaixados a meros colegas de ocasião. O Homem-Morcego ainda é valorizado pelo aspecto nostálgico, mas a filha de Krypton é comprometida pela asfixia da dramaticidade.
The Flash raramente empolga/mobiliza. As cenas de batalha têm poucas texturas e a ação é genérica. A pós-produção se encarrega de mostrar seres superpoderosos em batalhas tão suntuosas que elas perdem de vista a dimensão humana desses homens e mulheres extraordinários. E, diga-se de passagem, a qualidade do CGI nem sempre é condizente com o poderio econômico da produção. Iniciativa recheada de participações especiais, a primeira aventura solo do Flash serve para introduzir o conceito de multiverso na DC e fazer bonitas homenagens em seu longo e às vezes sonolento percurso. Essa viagem de fracas emoções comporta versões cinematográficas nunca realizadas de personagens como o Superman (uma das boas sacadas) e tributos aos precursores da onda que reina há mais de 20 anos no cinema de pegada mais industrial. Além disso, há boas tiradas sobre alterações de linhas cronológicas – sendo a melhor delas a respeito do protagonismo da Saga De Volta para o Futuro. Aliás, recarregar o “capacitor de fluxo” com o raio é outro empréstimo afetivo da criação de Robert Zemeckis. No entanto, as soluções são preguiçosas e os problemas difíceis são resolvidos com estratégias simplórias – como a do raio que, se replicada, poderia criar exércitos de Flashes? No fim das contas, até a resolução de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é reciclada pela DC Comics. A realidade quase entra em colapso para o protagonista aprender a aceitar as perdas e compreender o valor de suas cicatrizes.
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