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Sinopse

Em busca de uma pérola mágica que realiza desejos, uma pequena órfã embarca numa aventura encantada. Sofrendo pela perda recente do pai, Nemo mergulha nos sonhos alheios motivada pela possibilidade de reencontrar o pai.

Crítica

O mundo dos sonhos já foi apresentado/explorado de diversos modos no cinema. Em Terra dos Sonhos ele é multicolorido, repleto de pessoas que vivenciam aquilo que reprimem na realidade, um refúgio quando o cotidiano parece duro ou decepcionante demais. A protagonista é Nemo (Marlow Barkley), garotinha criada pelo pai isolada do mundo em torno de um farol insular. Batizada com o nome de um grande aventureiro da ficção marítima – o Capitão Nemo, criação de Júlio Verne que aparece em Vinte Mil Léguas Submarinas e A Ilha Misteriosa –, ela sente a vida desmoronar ao receber a fatídica notícia de que seu pai não sobreviveu à missão de resgate de uma embarcação com problemas na madrugada. Então duplamente órfã, Nemo passa a conviver com o tio Philip (Chris O'Dowd), com quem nunca tivera nenhum contato anterior. Seguindo as pistas deixadas pela adesão aos clichês desse tipo de história, podemos prever os acontecimentos: a pequena sente dificuldade para se encaixar numa rotina que em muito difere da sua antiga; ela e o parente até então distantes evidentemente não falam a mesma língua; e a aventura servirá para aproximar dois universos (o da criança e o do adulto) aparentemente díspares, mas que têm muito em comum. O cineasta Francis Lawrence apela ao deslumbre visual para arremessar o espectador no encantamento que essa realidade onírica tem a lhe oferecer.

Nesse lindo mundo dos sonhos, Nemo conhece o aventureiro Flip (Jason Momoa), figura que ela acreditava fazer parte somente do imaginário criado pelo pai a fim de animar a sua infância com histórias de fora-da-lei charmosos em aventuras eletrizantes. Não é preciso esforço em busca de interpretações sobre a função dessas representações do sonho, pois o roteiro a cargo de David Guion e Michael Handelman coloca na boca do grandalhão excêntrico vivido por Jason Momoa explicações psicanalíticas sobre a simbologia e inclusive a menção a Sigmund Freud, o pai da psicanálise, um desbravador que se debruçou também sobre a interpretação dos sonhos: Flip é uma figura paterna substitutiva e uma força bruta masculina enquanto Nemo representa a infância perdida. Pode parecer bobagem, mas essa explanação de coisas relativamente óbvias ao espectador tira dele a possibilidade de engajar-se por meio da curiosidade. Desse modo, Terra dos Sonhos incorre num paternalismo comum no cinema de narrativa hegemônica atual. Ele presenteia o espectador com explicações capazes de evitar qualquer desconforto, como se os filmes fossem equações que precisam de resoluções sem dúvidas. Muito melhor seria se o enredo deixasse espaço à perspicácia da plateia, mas ele tem as suas lacunas preenchidas com esclarecimentos detalhados a respeito do que está acontecendo, quem é quem e coisas assim.

É bom ponderar que estamos diante de uma aventura direcionada a crianças e jovens adultos, hipercolorida e que carrega uma “moral da história”. Poderíamos exigir desse tipo de produção um nível menos inconsistente de mistérios e não tantos elementos oferecidos de mão beijada? Claro, afinal de contas o contrário seria (como é) assumir que a fatia mais jovem de espectadores apenas se conecta com histórias bastante explicadinhas, em que nada é ambivalente e tudo faz sentido. Aliás, é curioso (e um pouco decepcionante) que uma história situada no misterioso mundo dos sonhos faça tanto sentido e que as regras dele sejam tão quadradas quanto as da realidade. Os personagens passam basicamente pelos mesmos sonhos, como se as pessoas sempre recorressem a situações específicas quando dormem. Nesse sentido, chega-se ao ponto de sabermos (pela repetição) onde estão as portas nos sonhos alheios, repetindo, que sempre são do mesmo jeito. Assim, essas situações seriam invariavelmente a projeção de um desejo muito forte ou a realização de algo reprimido na realidade. Nesse sentido, então tudo funciona de modo diferente para os coadjuvantes e para Nemo? Caso contrário, ela não precisaria cumprir uma missão cheia de obstáculos para “reencontrar” o pai, já que esse é o seu maior anseio no momento. Nemo precisa realizar algo para depois sonhar como todo mundo de novo.

O tio interpretado por Chris O'Dowd faz o que pode para cumprir a nova função (a de pai substituto) que lhe cai no colo. Isso confere alguma substância para esse personagem que logo reivindica um lugar menos descartável na história. Não é difícil perceber a natureza da ligação dele com o grandalhão vivido de modo deliciosamente histriônico por Jason Momoa. O novo pai da realidade é introspectivo e tem uma série de dificuldades de comunicação, enquanto a figura paterna dos sonhos é praticamente o seu oposto. No fim das contas, em meio a essa pouco fértil organização burocrática do universo onírico, Terra dos Sonhos é uma aventura visualmente exuberante em que o sentimento de perda é o principal motor das situações. Nesse sentido, o homem que vive uma rotina modorrenta vendendo maçanetas e morando num palacete sem personalidade se aproxima da menina que repentinamente se desespera com a perda do chão. Não é bem na dinâmica agitada de Nemo com Flip que o longa-metragem atinge os seus melhores momentos – ainda que Momoa esteja muito à vontade como esse larápio que parece um decalque do Jack Sparrow de Johnny Depp na saga Piratas do Caribe. Assumindo a sua vocação de “filme para toda a família” (com mensagens no horizonte, testes de coragem e o despertar de heroísmo como a joia da coroa), a produção ganha pontos ao afunilar as discussões em torno do quanto a menina e o seu tio podem se ajudar mutuamente para lidar com as próprias perdas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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