Crítica


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Sinopse

Uma outra maneira de interpretar a maravilhosa dança rioplatense que se espalhou pelo mundo, mostrando o paradoxo de como o tango, dança tradicional e machista - na visão da diretora - deu a um grupo LGBT uma ferramenta de comunicação, contenção e de luta política inigualável, apropriando-se dela, mas quebrando com essa fixação dos papéis limitados. Este movimento que se expande por todo o mundo, encontra resistência em setores conservadores de cada sociedade, mas especialmente em cidades onde a homofobia é uma prática de Estado.

Crítica

Argentinos nascem, aprendem a se equilibrar nas próprias pernas, saem andando para, em seguida, começarem a dançar tango. Brincadeiras à parte, a dança nascida às margens do Rio da Prata é um patrimônio dos hermanos, presente em shows grandiosos, em salões de baile (as chamadas milongas) e até nas calçadas. Intenso como poucas danças tradicionais, este estilo de dança e seus passos apaixonados adornam o discurso poderoso de Tango Queerido, documentário da argentina Liliana Furió.

Motivada por sua admiração pelas coreografias precisas e sensuais, Furió iniciou uma pesquisa sobre o tango, encontrando a sua origem como uma dança para ser executada por homens, apesar de até hoje alguns locais proibirem a dança entre pessoas do mesmo sexo. Porém, ao se deparar com um trabalho da pesquisadora Magali Saikin sobre tango e gênero, a diretora conheceu um movimento que utiliza Carlos Gardel e Astor Piazzolla como trilha sonora. O chamado tango queer é mais que uma nova disposição de pares pela pista de dança. É um ato político que atravessou a fronteira e chegou a países como Alemanha, Turquia e Rússia, neste último com ainda mais força que nos demais, já que a simples demonstração de carinho entre pessoas do mesmo sexo é considerada crime. A cineasta ainda aproxima a questão ao registrar o ato de repúdio ao preconceito sofrido por duas mulheres que dançaram tango em uma praça de Montevidéu. Contra os conservadores, dança ao ar livre noite adentro. Com homens, mulheres, crianças, famílias inteiras.

Seguindo o modelo tradicional de documentário, chegando a alguns momentos a ter cortes bastante secos, Tango Queerido quer mesmo é mostrar ao mundo a revolução que o tango queer trouxe para diversas vidas. Há desde bailarinos profissionais que encontraram no movimento mais uma forma de se expressar, até mulheres heterossexuais que, cansadas de esperar a motivação de seus parceiros, decidiram bailar com outras mulheres. A opção por deixar de lado uma criação visual mais elaborada parece ter fundamento na beleza das cenas captadas, com casais das mais diversas formas e estilos de dança percorrendo a tela e enchendo os olhos e o coração do espectador. Sabemos que alguns – aqueles que insistem em colocar regras no próprio olhar e nunca rompê-las, além dos preconceituosos que não conseguem seguir em frente ao encarar o diferente – podem se sentir ofendidos. Não importa. Tango Queerido não é para eles. A não ser que queiram se tornar pessoas melhores.

A dificuldade em aprender o tango, citada até pelos próprios argentinos, que parecem fazê-lo de forma tão natural, soa simbólica em Tango Queerido. Num mundo onde assumir nossos desejos é uma batalha tão árdua, exaltá-los por meio de uma dança complexa parece ser um desafio menor, mas nem por isso menos belo. Romper padrões deveria ser rotina. Mas parece que será nas milongas, à meia-luz, que as coisas vão começar a tomar forma para, em breve, sair às ruas, causando alvoroço pela beleza e não por ter dois homens ou duas mulheres com corpos próximos.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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