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Sinopse

Em Sua Culpa, o romance entre Noah e Nick parece inquebrável, apesar das manobras de seus pais para separá-los. Mas o emprego dele e a entrada dela na faculdade abrem suas vidas para novos relacionamentos. O aparecimento de uma ex-namorada em busca de vingança e da mãe de Nick com intenções pouco claras abalará os alicerces não apenas do relacionamento deles, mas da própria família Leister. Sequência de Minha Culpa (2023).

Crítica

Sequência de Minha Culpa (2023), Sua Culpa dá continuidade às desventuras amorosas de Noah (Nicole Wallace) e Nick (Gabriel Guevara), pombinhos que precisam lutar contra conspirações, planos invejosos e vinganças, quem sabe, para um dia ficarem juntos. Ambientado num universo de gente milionária, ele começa com uma situação ridícula que escala da surpresa emocionada do reencontro ao furor sexual funcionando como uma catarse amorosa. Noah está falando com sua melhor amiga sobre a falta do namorado exilado nos Estados Unidos, afirmando em seguida que nem sabe porque continua tomando a pílula anticoncepcional uma vez que o vê pouco – por isso presume-se que a donzela idealizada é fiel (olha o puritanismo aí, gente!). Como se fosse conjurado por palavras mágicas, Nick chega de repente e em dois minutos os dois estão transando na área comum da casa, como se o mundo parasse para os apaixonados matarem a saudade com uma “rapidinha” de boas-vindas. O problema não é o que acontece, pois qualquer situação, por mais esdrúxula e antinatural, pode funcionar se for bem construída. Mas não é o caso aqui. Desde o começo há uma sensação insistente de artificialidade, fruto do roteiro repleto de ações e reações burocráticas, mas também da interpretação engessada dirigida sem um pingo de criatividade visual e da montagem burocrática. O cineasta Domingo González (que assina o roteiro com Sofía Cuenca) investe no que de mais simplista pode nos oferecer os melodramas: personagens arquetípicos, situações superficiais, além das causas e consequências sem nuances.

Sua Culpa pega carona na tendência de filmes (muitos deles baseados em livros destinados principalmente ao público feminino) em que uma mulher insistente luta para manter o seu relacionamento com um ex-bad boy em recuperação. Noah passou o diabo na trama anterior e agora deseja apenas usufruir o seu namoro com Noah, o rapaz que deixou a vida de rachas automobilísticos para trás e tenta se reinventar como estagiário na firma de advocacia do pai. Portanto, o que a trama nos apresenta são dois protagonistas em busca de um recomeço, da redenção dos pecados, do esquecimento dos traumas e de uma possibilidade de futuro. No entanto, são muitos os obstáculos colocados entre eles e esse ideal de felicidade romântica. Muitos, mesmo. Demais. E esse exagero sufoca o enredo. Domingo González usa e abusa de barreiras, fazendo do namoro dos protagonistas uma verdadeira prova de resistência. É como se os dois precisassem merecer o romance excepcional. Então, não bastam o pai de Nick e a mãe de Noah conspirando como se fossem vilões de um desenho animado, mas há também a ex-namorada em busca de vingança, a nova colega de escritório incumbida de seduzir Nick, o bonitão “cara de paisagem” que ronda Noah, além das mentiras que podem ser reveladas. E antes de falar dos personagens principais, é preciso perceber que os coadjuvantes são todos cascas ocas com, no máximo, duas características. Essa superficialidade torna tudo bastante vazio, da força necessária para os protagonistas seguirem juntos aos planos dos malvados toscos.

A mãe de Noah é somente uma megera inescrupulosa; o pai de Nick é o ricaço sem coração; a ex-namorada é desenhada de maneira tão escrachada como vilã, que só falta o entrelaçar de mãos e aquela gargalhada típica; e os melhores amigos dos pombinhos formam um núcleo inútil. Jenna (Eva Ruiz) é a menina milionária que namora o pobretão Lion (Víctor Varona). O problema entre eles é a distância econômica, o fato de ela não ter problemas financeiros enquanto ele está preocupado em perder a oficina da família. Lion é visto como um tolo orgulhoso que não aceita dinheiro dos amigos e da namorada milionária. Único personagem pobre da trama, ele nunca é encarado seriamente, sendo sempre visto como o mero teimoso inconsequente. Tanto que no momento em que Lion conversa com a sua amada, ela explode dizendo o quanto se sente oprimida por ele reclamar de ser modesto. Momento de valioso desabafo feminino ou exibição de classismo com a conivência da direção incapaz de representar o comportamento dela com senso crítico? Aliás, essa subtrama que estereotipa o principal personagem negro do filme como alguém conectado à pobreza e à marginalidade poderia simplesmente ser sacada do enredo sem qualquer prejuízo. Então, Noah e Nick estão cercados de figuras sem camadas, de personagens sem qualquer contradição. Os erros nunca são elaborados como partes possíveis de alguém real.

Em Sua Culpa, Noah identifica de vez em quando, quase como se fosse um bordão, que algo é contraditório. Ela ama Nick, mas decide se afastar para ter algum tipo de paz. Ele a adora, mas esconde que a nova companheira de escritório é linda, assim postergando a inevitável sensação de ciúme. Curioso, num filme que fala tanto de contradições há tão poucos momentos realmente controversos ou que exponham contrassensos genuínos dos personagens. O que Domingo González entende por contradição é quase sempre imaturidade, um diagnóstico que o filme não assume. O roteiro tem uma estrutura demasiadamente fragmentada, sendo feita de esquetes dispersos, cheios de personagens superficiais e muito mal filmados. E as cenas de sexo? Estão inseridas numa noção careta de romantismo pueril, pois nenhuma delas tem voltagem erótica, parecendo pensadas para excitar pré-adolescentes que anseiam por príncipes encantados bonitos, ricos e que as satisfaça sem tesão. Para isso, nada demais é mostrado, tudo é sempre pudico e frio. Nessa segunda parte que serve de intermediária entre a apresentação de um amor turbulento e o seu possível final feliz, Noah e Nick são heróis românticos desses tempos em que o sexo é abundante, mas castrado, domesticado. Eles são avatares da contemporaneidade em que se fala muito sobre relacionamento abusivo, mas produções pensadas para o grande público continuam incentivando esse tipo de coisa. Entre as causas e efeitos simplistas, aqui gente rica e mimada fala de amor como se tivesse (mal) decorado as falas de uma peça escolar ruim e boba.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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