Crítica

Quatro amigos de 30 e poucos anos, Wendy (Wendy Vasquez), Diego (Diego Lombardi), Rodrigo (Rodrigo Palacios) e Beto (Alberto Rojas Apel), resolvem viajar pelas florestas do Peru para exibir seus filmes nos povoados que encontram pelo caminho. Mesmo realizando sessões gratuitas com uma grande tela inflável, poucos habitantes comparecem, fazendo com que os realizadores questionem os rumos de suas carreiras.

Em seu segundo longa, a diretora peruana Joanna Lombardi preserva algumas características de seu bom trabalho de estreia, Casadentro (2013), como o número reduzido de personagens, a trama minimalista, o esmero na composição dos enquadramentos e seus longos planos estáticos. Guardadas essas semelhanças, Sozinhos se distancia do filme anterior da cineasta na medida em que abandona um universo cênico restrito, saindo, literalmente, de dentro de casa para explorar o exterior.

A belíssima fotografia de Inti Briones extrai o máximo da paisagem tropical para captar a investigação do mundo externo, elemento inerente aos road movies, ainda que por vezes retorne aos ambientes fechados, especialmente o carro em que o grupo viaja. Há, portanto, um sentimento de libertação do espaço físico que se estende para a narrativa. Diferente do roteiro conciso e bem definido do já citado Casadentro, aqui Lombardi busca a improvisação e o naturalismo. Os personagens com nomes iguais aos dos atores, os diálogos soltos e os depoimentos de moradores locais direcionam Sozinhos para um caminho estreito entre a ficção e o documentário.

Essas escolhas fazem com que a relação de amizade dos personagens soe verdadeira quando discutem assuntos triviais e brincam uns com os outros, mas o prolongamento desnecessário de parte dessas sequências desvia o filme de seu foco e interfere em seu discurso, sem acrescentar muito ao desenvolvimento dos personagens.

Mesmo com tais inconsistências, Lombardi levanta questões interessantes quando se atém ao tema das dificuldades de fazer cinema e de sua relação com o público. A resistência dos espectadores se deve simplesmente à falta de cultura cinematográfica de lugares tão isolados? Ao domínio do cinema comercial estrangeiro? Ou talvez a uma prepotência velada dos cineastas, ao considerarem sua arte superior e apresentarem um “filme difícil”, que se distancia dos espectadores? A identificação com os filmes é abordada de forma exemplar na cena em que Rodrigo e Diego conversam com um vendedor de frutas que revela ter atuado em A Muralha Verde (1969), de Armando Robles Godoy, mas que nunca assistiu ao filme. Cria-se a analogia certeira: o espectador que não consegue enxergar a si, nem sua realidade, nas telas.

Nesse ponto, Lombardi emprega um tom bastante pessoal à obra. Os cineastas são apresentados como figuras desbravadoras, lutando sozinhos contra as agruras da profissão, seja o dilema da encolha entre a arte e a estabilidade econômica de um emprego tradicional, as restrições do mercado e, principalmente, o desejo nem sempre realizado de apresentar seu trabalho para o maior número de pessoas possível. Não à toa a cineasta filma seus personagens sempre pelas costas durante as sessões, como se não estivessem olhando para a tela, mas observando as reações do público.

Lidar com o fracasso é uma tarefa ingrata e constante no cinema independente, e que pode levar à desilusão. Para combater este sentimento, resta afogar as mágoas – encher cara – como fazem os personagens em sua última noite de viagem. Pois após a ressaca vem a epifania, e Lombardi toma o caminho do recomeço, da recuperação da fé, em seu poético plano final. Quando os quatro amigos finalmente encaram sua criação, a cineasta parece ter a certeza de que quando se faz algo pelo qual realmente é apaixonado, sempre haverá a recompensa do prazer da realização. Mesmo que ela seja solitária.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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