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Sinopse

Depois de ter ganhado um importante concurso europeu de canto nos anos 1970, uma mulher trabalha atualmente numa fábrica de patê. Um jovem colega de trabalho descobre seu segredo e a convence a cantar novamente.

Crítica

Os efeitos da efemeridade da fama já renderam material para diversas produções cinematográficas, geralmente retratando a ascensão, a queda e a volta por cima edificante de um artista, como é o caso deste Souvenir. Em seu segundo longa-metragem, o belga Bavo Defurne apresenta a trajetória de Liliane Cheverny (Isabelle Huppert), hoje levando uma vida pacata no anonimato como funcionária de uma fábrica de tortas, mas que, há mais de trinta anos, teve seu momento de estrelato como cantora. Atuando sob o nome artístico Laura, a introspectiva protagonista alcançou o auge de seu sucesso ao participar de um grande concurso musical europeu – aos moldes do festival Eurovision, espécie de Eurocopa da música onde artistas passam por uma seleção local para representar seu país na competição oficial – perdendo a final para os suecos do ABBA.

A derrota e a consequente separação de seu companheiro e empresário, Tony Jones (Johan Leysen), fizeram com que a carreira de Liliane entrasse em declínio, rapidamente levando-a ao esquecimento do grande público. Todas essas memórias, mantidas em segredo pela personagem, voltam à tona quando um jovem empregado temporário da fábrica, e aspirante a boxeador, Jean (Kévin Azaïs), a reconhece como Laura, eterna musa de seu pai, e a convida para cantar na confraternização da academia onde treina. O retrato da solidão existencial de Liliane, em meio a sua rotina desinteressante no trabalho, amenizada por copos de uísque consumidos em suas noites frente à TV, demonstra que ela ainda guarda sentimentos relacionados ao seu passado de brilho, como os resquícios de vaidade que afloram no modo cuidadoso como se maquia no plano de abertura.

Estes elementos configuram ferramentas suficientes para a realização de um estudo de personagem aprofundado, tratando de uma personalidade complexa e de temas como o ego, o enfrentamento do fracasso ou as agruras do mundo artístico. Essas possibilidades, porém, são deixadas de lado por Defurne, que conscientemente opta por uma abordagem muito mais leve, em tom de fábula. Dos enquadramentos que primam pela simetria e pela repetição ao mostrar o trabalho de Liliane na linha de produção de tortas à concepção visual do apartamento onde vive – que parece congelado no tempo, remontando à época de sua glória na década de 70, com a TV vintage, vitrola, piano – passando também pela fotografia que ressalta as cores em tons pastéis, tudo é utilizado pelo cineasta na construção de uma trama filtrada pela fantasia.

Tais opções estéticas e narrativas aproximam a obra de Defurne de outros exemplares de comédias românticas em língua francesa recorrentes desde o início dos anos 2000, como O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), Românticos Anônimos (2010) ou o canadense Henri Henri (2014). Dentro deste tipo de universo açucarado, a presença de Isabelle Huppert, a princípio, soa curiosa. Marcada por papéis densos e controversos, ela recorre à sua imensa versatilidade, exibindo uma composição sutil, para dar vida a uma mulher mais frágil do que o perfil que está habituada a interpretar. Apesar de inesperada, sua escolha se mostra imprescindível para as intenções de Defurne, especialmente quando este se volta ao romance iniciado entre Liliane e Jean, pois poucas atrizes acima dos 60 anos transmitem sua sexualidade como Huppert, fazendo com que poder de atração da protagonista sobre um homem muito mais novo pareça tão natural.

O magnetismo da atriz serve também à persona diva de Liliane como Laura, algo visto nas performances elegantes e minimalistas, de gestual coreografado com as mãos – vide sua primeira aparição em um belo vestido vermelho ao aceitar o convite de Jean para cantar na confraternização - assim como em sua voz terna que, mesmo não sendo particularmente marcante ou potente, carrega o caráter necessário de sedução. A química com o talentoso Kévin Azaïs – do ótimo Amor à Primeira Briga (2014) – também funciona, fazendo com que o encantamento do personagem soe genuíno. A assumida falta de compromisso com a realidade imposta por Defurne, porém, prejudica essa relação ao retirar praticamente todo o peso das ações dos personagens.

Com isso, diversas passagens surgem demasiadamente fugazes – como Jean abandonar repentinamente a carreira no boxe para empresariar Liliane ou a escalada da cantora de volta ao sucesso, culminando em uma nova participação no mesmo concurso musical. As viradas dramáticas de conto de fadas propostas pelo cineasta seguem a cartilha básica deste tipo de história – conflito, ganho de consciência moral, reconciliação – expondo suas fragilidades. Em sua busca por um resgate saudosista de tempos mais lúdicos, que se encaixa na narrativa fabular com um inevitável final feliz, a ideia de que o estilo musical antiquado de Laura – uma Dalida em chave mais low profile – pudesse conquistar o público atual também parece pouco plausível, exigindo certa boa vontade do público. Com todas essas inconstâncias, Souvenir, tal qual a canção interpretada por Liliane/Laura na competição, não resulta memorável, mas, graças ao carisma de Huppert, consegue ser simpático o suficiente para ficar na cabeça dos espectadores por algum tempo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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