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O período da Ditadura civil-militar no Brasil, apesar de ser tema de vários estudos, pesquisas e filmes, ainda é uma incógnita. Na maioria das vezes, os depoimentos de quem sofreu tortura na mão dos militares envolve artistas, professores e estudantes contrários ao regime. O diretor Belisario Franca, no entanto, resolveu buscar novas fontes e as encontrou num lugar inusitado: dentro do próprio Exército. Mais precisamente num grupo de homens que viu a sua juventude ser devastada ao entrar numa guerra da qual sequer sabia o motivo. Soldados do Araguaia faz parte de um projeto de Franca que pretende lançar luz sobre temas pouco comentados da nossa história. Neste caso, oito integrantes do Exército que lutaram na Guerrilha do Araguaia dão a sua versão do combate, que não tem algo de patriótico.

Vale contextualizar o leitor sobre o cenário em que se encontravam os entrevistados do filme. Entre 1972 e 1975, o Exército brasileiro realizou uma intensa campanha de repressão a focos de guerrilha em áreas ao longo do rio Araguaia, no sul do Pará. Guerrilheiros ligados ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil) começaram a operar na região ainda na década de 1960. Sua intenção era derrubar o governo militar por meio da luta armada, inspirados pelas revoluções chinesa e cubana, que começaram no campo. A maioria dos que lutavam era formada de figuras ligadas ao Partido Comunista do Brasil. Do lado de cá, supostamente defendendo o governo, foram recrutados jovens paraenses, em sua maioria de classe baixa. Oito desses garotos, hoje homens na faixa dos 60 anos, dão seus depoimentos sobre o que viram e sentiram enquanto empunhavam armas de grosso calibre. As falas passam longe do orgulho. Há, inclusive, um dos entrevistados que se diz envergonhado de ter feito parte do grupo que espalhou não apenas balas, mas medo e violência pelas águas do Araguaia.

Soldados do Araguaia tem uma fotografia em tons bucólicos, planos longos e que trazem um pouco de poesia para compensar as lembranças dolorosas. Até nos momentos em que há simulação dos conflitos, há um cuidado em não ser explícito. A escolha de colocar os ex-militares sentados diante de um fundo preto, como se estivessem nas salas de interrogatórios tão comuns à Ditadura, soa como uma resposta aos tempos em que esses homens eram pendurados nos chamados paus de arara. Agora eles não serão torturados para denunciar colegas, mas sim livres para exorcizar seus fantasmas. Paralelo às lembranças, psicanalistas integrantes do projeto Clínica do Testemunho, que presta apoio psicológico aos sobreviventes dos anos de chumbo, ajudam a entender um pouco mais a situação conflitante pela qual passaram os oito combatentes. Sem escolha, eles tiveram de assistir e sofrer violências sem questionar, na maioria das vezes presenciando certo prazer por parte dos algozes.

Soldados do Araguaia, além de ser visualmente bem acabado e com um desenho de som primoroso, faz mais que simplesmente dar voz a quem estava dentro do Exército de forma forçada. É um retrato repleto de humanidade, de homens que terão para sempre uma ferida aberta, que entraram uma guerra da qual não sabiam o motivo e, mesmo sem dizer algo contra o regime militar, foram torturados “em nome da pátria” e hoje lutam para ter suas vivências reconhecidas e registradas nos livros. Em tempos de pessoas pedindo a volta da Ditadura, este longa-metragem é mais que um documentário, pois uma necessidade.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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