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Sinopse

Acompanha a história de Olney São Paulo, trazendo para as telas a dimensão do seu trabalho. Um realizador que morreu durante a ditadura militar, vítima de processos de tortura, por conta de suas obras.

Crítica

Quando se fala em cinema brasileiro, os nomes que costumam vir a cabeça são quase todos pertencentes a cineastas integrantes do movimento do Cinema Novo. Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra geralmente são lembrados como os principais realizadores e responsáveis pela revolução ocorrida nas telas do Brasil entre as décadas de 1950 e 1960. Porém, houve um homem que fez do cinema uma arma onde a munição era a paixão pela própria terra e o desejo de um país mais justo para os que viriam depois dele. Sinais de Cinza, A Peleja de Olney Contra o Dragão da Maldade, documentário do baiano Henrique Dantas, exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes, faz mais do que apresentar para uma parcela do público de cinema a trajetória de Olney São Paulo, cineasta que levou a dura poesia da vida sertaneja para as telas e hoje passa quase despercebido por estudiosos e críticos.

Cineclubista atuante desde a juventude, Olney São Paulo percebeu na sétima arte algo que seus colegas de Cinema Novo utilizaram apenas como mote para criar obras com um pé na fantasia. Enquanto Glauber brincava com os movimentos de câmera e bebia na fonte da Nouvelle Vague de Godard e companhia, Olney preferia a verve clássica, o cinema grandioso de nomes como John Ford. Nas palavras do próprio, lembradas por amigos como os cineastas Orlando Senna e Silvio Tendler, o cinema era fundamental para libertar o sertão. As grades que o cineasta queria ver derrubadas em sua terra natal ia do analfabetismo, passando pela exploração dos grandes fazendeiros nordestinos e chegando até o esclarecimento político.

O Crime na Rua, de 1955, seu primeiro curta-metragem, foi realizado em Feira de Santana com dinheiro recolhido entre amigos. Mas seu filme mais comentado, e também responsável pelas poucas lembranças que ele deixou na história oficial da nossa cinematografia, é Manhã Cinzenta (1969), que supostamente teria sido exibido durante o sequestro de um avião realizado por membros da organização MR-8, que lutava contra a ditadura. Com o episódio da exibição do filme espalhado, o nome de Olney passou a ser associado ao sequestro e uma nova trama começa. Mais triste e menos aventureira. Preso pela ditadura, foi afastado da família e sofreu todos os tipos de tortura, experiência que deixou marcas indeléveis não apenas em seu cinema, mas em sua alma. Essas dores estão em cada cena do documentário, que se vale da poesia para tocar em assuntos delicados até hoje para os membros da família São Paulo. A projeção dos filmes de Olney nas paredes de casas de sua cidade natal, Riachão do Jacuípe, não é apenas uma bela cena de se ver, é uma metáfora para o homem que queria que a vida do sertão saísse das quatro paredes de barro das casas para ganhar o mundo e apresentar aos governantes a situação degradante do povo nordestino.

Sinais de Cinza é uma espécie de documento, já que os trabalhos de Olney São Paulo jamais receberam restauração e muita coisa se perdeu. O trabalho de Henrique Dantas pode ser uma porta de entrada para que uma nova geração que inicia a vida cinéfila redescubra a importância de Grito da Terra, um filme sobre a reforma agrária de 1964, mas que parece ter sido feito ano passado, tão atual é a sua abordagem e temática. Uma atmosfera sombria se instala em nosso país neste 2018 e a arte já está sofrendo as consequências. Museus censurados, críticas a quem trabalha para tirar as máscaras dos governantes e letras de protesto voltam aos nossos ouvidos. Olney São Paulo não estaria satisfeito com o Brasil de agora e sua arte iria demonstrar seu desagrado. Como não está mais entre nós, vale assistir a Sinais de Cinza e manter a esperança acessa como a luz do projetor.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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