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Sinopse

Em 1496, o rei D. Manuel proibiu o judaísmo em Portugal e, por este motivo, a religião desaparece do país. 400 anos depois, Barros Basto, capitão do exército português convertido, ajudou a resgatar para o judaísmo os portugueses que se tornaram cristãos-novos para fugir da intolerância racial e de religião.

Crítica

A palavra pode parecer estranha, mas seu significado é simples: ‘sefarad’ é o temo em hebraico para designar a península Ibérica. O filme Sefarad, de Luis Ismael, portanto, aborda essas duas questões – o judaísmo e sua localização geográfica – com foco no desenrolar dos acontecimentos, ao longo dos últimos cinco séculos, em Portugal. A proposta, como se percebe, é ambiciosa. Estrutura – e orçamento, principalmente – havia suficiente para resultar em uma obra, no mínimo, merecedora de atenção. No entanto, o que o espectador é convidado a se deparar é com um trabalho de viés ideológico comprometido, cujos diálogos são exageradamente explicativos, sem função alguma no desenrolar narrativo, servindo apenas a um propósito publicitário, sem permitir qualquer envolvimento, seja com os dramas vividos pelos personagens, em atuações tão artificiais que chegam a lembrar bonecos de cera, ou mesmo com os acontecimentos descritos, enumerados como numa lista telefônica, sem dotá-los do peso necessário para potencializar seus verdadeiros significados.

O filme começa com um letreiro enorme, explicando e contextualizando os episódios históricos sobre os quais se pretendem debruçar dali em diante. Tudo feito com muita pompa e circunstância, com caixas de texto saindo diretamente dentre as nuvens, como se oriundas de algum chamado divino. Essa escolha estética passa uma boa ideia a respeito do que virá nas próximas duas horas. A intenção, como se percebe, é óbvia: aproximar a narrativa do mesmo tom épico das grandes sagas da fantasia, bem ao estilo Star Wars. Tal postura assustadoramente egocêntrica fica refletida com perfeição do seguinte diálogo. Dois portugueses olham para o oceano Atlântico, quando um deles vira para o outro e diz: “sabe o que há do outro lado? A cidade de Nova Iorque, a maior de todo o mundo. E sabe como ela foi construída? Com a força dos judeus que Portugal expulsou séculos atrás”. E claro que eles até podem ter tido uma (pequena) parcela nesse feito, mas reduzir a magnitude da ‘capital do mundo’ como se fosse responsabilidade de apenas uma nação (estrangeira, ainda por cima) indica uma autoestima, no mínimo, inflacionada.

No final do século XV, milhares de judeus foram mandados embora de Castela, Espanha. Sem terem para onde ir, muitos acabaram se refugiando no vizinho Portugal, que os acolheu, mas não sem cobrar deles uma pequena taxa. Essa postura, no entanto, logo foi alterada, e um édito real de D. Manuel I determinou a expulsão do país de todos os ‘não-cristãos’ (ou seja, não apenas judeus, mas também muçulmanos). Aos que por lá desejavam permanecer, a única opção era a conversão obrigatória ao cristianismo. Muitos optaram por esse caminho mais fácil, sem abrir mão, em segredo, das suas verdadeiras crenças, que seguiram sendo praticadas, não abertamente, mas no recanto das suas casas ou apenas entre amigos. Séculos depois, já nos anos 1900, um homem assumiu a missão de ir atrás destes ‘judeus perdidos’ e reuni-los, mais uma vez. Era a hora de dar uma unidade à religião no país. Sefarad, portanto, é a sua história.

Quem assume tal função é Artur Carlos de Barros Basto, militar de carreira, escritor e filósofo, que acaba virando o rosto de todo esse esforço. Não mais perseguidos (ao menos temporariamente), mas ainda vítimas de muita estigmatização, o movimento que ele passa a liderar desperta a atenção de alguns (poucos, mas importantes) apoiadores, e muitos (e barulhentos) detratores. Sua luta segue, e tem efeitos, mas não sem deixar pelo caminho ataques pessoais, achaques a sua família e movimentos contrários que terminam por prejudicar até sua carreira. Tudo está no filme, porém sem peso nem gravidade. Cada um destes acontecimentos é disposto desajeitadamente, como se alinhados a uma ordem de montagem. Luis Ismael parece mais preocupado com barbas mal colocadas, perucas artificiais, cenários recém pintados e figurinos que deixam claro a impressão de terem saído há pouco da sala de costura. Tudo muito bonito, mas absolutamente falso.

Essa toada se mantém constante por toda a narrativa. Não há nada com maior relevância no discurso defendido por Sefarad, filme que serve única e exclusivamente às intenções marqueteiras dos seus realizadores, servindo como propaganda, mas nunca como arte. Entre interpretações mecânicas e uma trama tão linear quanto enfadonha, com o passar dos anos na ficção outro problema se torna alarmante: a maquiagem tão mal colocada que termina por distrair ainda mais a atenção do pobre espectador determinado a encontrar nesse imbróglio algum tipo de fruição que justifique tamanha dedicação. A esses resta apenas o aviso, ainda que, porventura, tardio: melhor desistir logo, pois não há nada que se possa ser salvo desse naufrágio mais do que anunciado. Potencial para ir além, existia. É de se lamentar, no entanto, a total inabilidade do realizador em conseguir alcançar qualquer porto que pudesse lhe conferir um mínimo sequer de dignidade diante da ambição levantada, porém nunca atingida.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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