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Sinopse

A banda musical Sound Citzens, formada por membros de vários países, tinha uma turnê marcada pelo Caribe. O objetivo era registrar as apresentações e as dificuldades de convivência, mas todo o plano muda quando o grupo esquece de um detalhe: alugar um barco para se locomover.

Crítica

A espontaneidade, grande trunfo de Sailing Band, assume ocasionalmente caráter de fraqueza, pois decorre também de uma frouxidão conceitual e de execução. Há despreocupação patente com a qualidade estritamente cinematográfica, com a seara meramente formal. Não existe um cuidado no que tange aos enquadramentos, tampouco quanto à limpidez sonora. É flagrante o quase amadorismo na maneira como o cineasta Denis Nielsen registra o cotidiano de um time de músicos, oriundos de diversas partes do mundo, que decidem encontrar-se no Caribe e formar uma banda velejadora, disposta a apresentar-se de ilha em ilha, a cada nova parada. Sobretudo na primeira meia hora do documentário, é um tanto incômodo o traço despojado sem clara deliberação. Mas, na medida em que temos deflagrado o contexto dessa união insólita de artistas cujo ganha-pão está em outras áreas, tudo melhora significativamente.

Portanto, passada a fase de exposição, um tanto caótica, vemos os músicos brasileiros Igor e Bruno, irmãos de sangue, se encontrando em Antígua e aguardando os demais integrantes da Sound Citizens – nome que acaba prevalecendo depois de vários outros serem utilizados provisoriamente. O descompromisso com o rigor profissional é um dos charmes capitais do projeto, e acaba sendo transferido ao próprio filme, que paulatinamente se apropria desse espírito. Sailing Band é o testemunho de um bastidor, em parte, destituído dos compromissos normalmente impostos a uma formação musical. Claro, os efeitos colaterais da impulsividade que guia os componentes, especialmente Igor, uma espécie de agregador da patota, são difundidos. Nem tudo são flores e mar cristalino no Caribe, mas o longa não se prende aos conflitos, apenas coloca-os suavemente como decorrências das circunstâncias nem sempre antes planejadas.

O principal achado de Sailing Band é Sascha, o amigo da galera que por lá está sem uma atribuição específica, servindo de roadie, ou seja, carregando equipamentos pesados de um lado para o outro, isso sem contar as incumbências culinárias e de ilustração. O bom humor dele, aliás, é sintoma dessa abordagem leve, que denota a proximidade e a camaradagem entre o cineasta, a banda e os demais envolvidos. Enquanto Igor e companhia perseguem o sonho de conseguir um barco para, de fato, transformar a Sound Citizens numa formação marinheira, esse "faz tudo" destila pérolas espirituosas sobre preconcepções caribenhas, constituindo uma espécie de talk show dentro do filme, denominado Associação Profissional dos Viajantes Underground. Sascha denuncia desde a precariedade da coleta local de lixo até seu desalento locatário, sempre com boas doses de ironia e graça, quase eclipsando o resto.

Sailing Band é inconsistente como cinema em muitos momentos, dependendo desse assentamento gradual para firmar-se como um documentário, essencialmente, dos afetos entre essas pessoas que gozam de afinidade musical. Todavia, o carisma dos personagens e a forma como, ao longo do processo, Denis Nielsen consegue transmutar a precariedade em elemento narrativo, agregando-o à urdidura dos acontecimentos que inevitavelmente apontam ao “insucesso”, fazem do filme um retrato tão despretensioso quanto saboroso dessa turma que arrisca pelo simples prazer de estar junta, de tocar o som que lhe apetece, valendo-se do multiculturalismo para criar um groove fruto da mistura de batidas latino-americanas, europeias e anglo-saxãs. Um longa-metragem a anos-luz de aspirar à grandeza. Talvez por isso mesmo, justo pela despretensão evidente, o resultado seja divertido, embora claudicante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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