Crítica


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Sinopse

O Santo e o Guerreiro se encontram no além-vida. Enquanto navegam pelo temerário Rio da Morte, eles refletem sobre a vida que levaram no sertão do Brasil.

Crítica

Ser pioneiro numa arte que exige dedicação e ainda é pouco valorizada no Brasil fora do circuito Rio-São Paulo é digno de herói. Chico Liberato não é apenas o pai da atriz Ingra Liberato. Quando sua filha começava a sonhar com uma carreira nos palcos e telas, ele já estava realizando suas primeiras animações no formato de curta-metragem. Aos 80 anos, mais de quarenta deles dedicados a animação, ele se aventurou no em longas apenas duas vezes e a mais bem-sucedida delas deu-se com Ritos de Passagem, exibido no festival AnimaMundi em 2012.

O filme tem como foco principal a vida de dois símbolos das tradições nordestinas, o guerreiro e o santo, representados pelos personagens Alexandrino e Mateus. Desde a primeira aparição dos dois nota-se que tratam-se de representações de Lampião e Antônio Conselheiro, dois nomes importantes da história do nordeste que agiram, cada um à sua maneira, pela liberdade de seu povo, oprimido pela polícia e pela igreja da época. O rito de passagem ao qual remete o título pode ser sentido em várias nuances na produção, a primeira em que Liberato utiliza a computação gráfica. Alexandrino e Mateus, precisam cruzar um rio dentro da barca da morte. É o momento de relembrarem seus feitos em vida e questionarem um ao outro os caminhos escolhidos. Sagrado e profano, fé e violência se confrontam num embate sem vencedores, já que o objetivo é que cada um administre seus feitos como bem entender.

O traço de Chico Liberato é simples e isso é mais que necessário em Ritos de Passagem. Seus cenários são as construções do sertão, feitas de barro, a caatinga, a flor de mandacaru. Há um respeito pelas cores vivas presentes nas festividades, que servem como porta de entrada da poesia no filme. Mais que reproduzir em desenhos a história de dois homens que construíram suas histórias em nome de Deus e do direito à terra, o longa faz versos em forma de animação: a onça na alma de Alexandrino, a visão dos ricos como animais de Mateus. Liberato tem a sua Bahia e o nordeste como um todo na ponta da caneta, que tornam-se ainda mais simpáticos ao público pelo belo trabalho de dublagem. O sotaque é genuíno, bem distante dos maneirismos presentes em novelas globais que tornam todos os estados da região uma massa homogênea.

Ritos de Passagem merece ser divulgado ao máximo. Não termos um modelo industrial na produção de animações em longa-metragem e fugirmos da estética Disney é um trunfo. O roteiro do filme de Liberato não é propriamente voltado ao público infantil, mas pode ser uma ferramenta importante para apresentar a diversidade cultural do nosso país para os pequenos. Não é preciso uma forma fixa, um estilo único para se contar histórias. O que é só nosso, nos constitui como povo, pode ser a cereja do bolo que o mundo quer assistir.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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