Crítica
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Sinopse
J.R. é um desempregado feliz da vida, que passa seus dias saindo com seus amigos, em Nova York. Porém, quando ele reencontra uma amiga de faculdade, apaixona-se por ela e passa a questionar todos a sua volta e a própria vida.
Crítica
Longa-metragem de estreia de Martin Scorsese, Quem Bate à Minha Porta? (1967) se passa num entorno conceitualmente muito próximo daquele onde o cineasta foi criado. Nas duas sequências iniciais há exposição das características mais marcantes do local, um bairro de ítalo-americanos incrustado em Nova Iorque: religião e violência. A mulher que na primeira das sequências prepara lanche para as crianças, rodeada de imagens de santos e outros símbolos eclesiásticos, é Catherine, mãe de Scorsese, ou seja, nada mais familiar. Logo depois, um bando espanca dois homens, provavelmente de facção rival, embalados por uma música divertida, o que sublinha o caráter até banal e corriqueiro do ato de selvageria. No final dos anos 1960, corria solta a desilusão entre os jovens americanos, uma sensação responsável por torná-los meio alienados, quando não completamente sem rumo.
O então também estreante Harvey Keitel interpreta J.R., um dos caras do bairro, alguém que passa os dias entre o papo furado com os amigos num bar e atividades que flertam com o gangsterismo mequetrefe. J.R. volta e meia se pega desatento, pois com a cabeça na mulher que conheceu enquanto ela “lia” a revista francesa na qual ele reconheceu a figura de John Wayne, numa foto do filme Rastros de Ódio (1956). Aliás, está aí a grande primeira cena do filme, quando J.R. conquista a atenção da estranha ao argumentar sua paixão pelo filme de John Ford. Nada mais natural que o cinéfilo Scorsese expusesse por meio de algum personagem sua própria paixão pelo cinema, logo no primeiro longa. Continuando. O amor inesperado pela bela loira, contudo, não é suficiente para que J.R. escolha algo para fazer na vida, ou mesmo reveja suas crendices.
Scorsese, ele mesmo criado sob os preceitos católicos, coroinha na infância, em pleno fim dos anos 1960, na era da paz e do amor livre, das drogas como substâncias libertadoras, escolhe a caretice e os preconceitos apregoados pela religião a fim de deslocar ainda mais seu protagonista num mundo repleto de transformações sociais. Para J.R. as mulheres se dividem em dois tipos: as assanhadas e as corretas. As assanhadas servem para diversão, sexo ocasional; já as corretas são para casar. Lá pelas tantas, ele rejeita transar com sua amada, por achar que se ela sucumbir ao próprio desejo automaticamente deixa de ser alguém decente e passa à devassidão incompatível com um matrimônio sagrado. Esse machismo institucionalizado pelas crenças patriarcais reduz a mulher a um mero instrumento das vontades e da moral masculina.
Quem Bate à Minha Porta? não esconde fortes influências de John Cassavetes e da nouvelle vague francesa. Seus personagens à deriva se parecem bastante tanto com os tipos vagantes de Sombras (1959) ou mesmo com Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), de Acossado (1960). Scorsese funda seu filme na apresentação dessa geração que parece sonhar com uma vida marginal (no sentido de “estar à margem”), para a qual o trabalho regular não se configura em algo desejável, mas que consegue apenas destaque passageiro pela falácia e uma idiotia própria aos que contam vantagem para encobrir o desespero. Outro dos pilares do filme, a religião como sistema opressor, surge na figura de J.R., bitolado ao ponto de rejeitar a mulher amada apenas por ela não ser mais virgem (em virtude de um ato não consensual). São poucos os diretores que podem se gabar de uma estreia tão incisiva, a despeito de eventuais inconstâncias técnicas ou de produção.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 8 |
Robledo Milani | 7 |
Bianca Zasso | 9 |
Cecilia Barroso | 8 |
Chico Fireman | 7 |
MÉDIA | 7.8 |
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