Crítica


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Sinopse

Ana vive em Berlim com os pais e o irmão mais velho. A trama acontece um pouco antes da consolidação dos nacionais-socialistas no poder. O pai de Ana é um jornalista que critica abertamente Adolf Hitler.

Crítica

A pequena Anna tem uma difícil tarefa pela frente: escolher apenas um brinquedo para levar consigo na viagem que a família fará no dia seguinte. Quando a zelosa Heimpi, a faz-tudo da casa que cuidou dela desde o nascimento, afirma que irá cuidar do boneco que ela decidir deixar para trás, a opção acaba se dando pelo mais recente. Assim, quando mãe e os dois filhos partem ao encontro do pai, é o surrado coelho cor-de-rosa que ficará para trás. O que Anna não sabe, ao menos não naquele momento, é que do alto dos seus meros nove anos de idade ela estará também se despedindo da Alemanha e de uma vida que até então estava acostumada. Afinal, o ano era 1933, e a ascensão do nazismo se via como fato consumado. E os Kemper, enquanto judeus, precisavam se mover, tratando de se afastar de tudo que lhes era familiar com a maior rapidez possível. Esse é o começo de Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa, drama inspirado em uma história real que se por um lado mantém em sua narrativa traços infantis, estará na forte conotação verídica que carrega a maior das suas qualidades.

Arthur (Oliver Masucci, que já foi o próprio Adolf Hitler na comédia Ele Está de Volta, 2015), o pai, é um crítico teatral que sempre fez questão de deixar impressa na coluna que publicava no jornal sua visão política e a relevância da cultura em um contexto social prestes a entrar em ebulição. Os paralelos com tempos atuais, passado quase oito décadas desde então, são tão evidentes que, se fossem estabelecidos de um modo mais incisivo ou agressivo, é certo que provocariam mais repulsa e desconforto do que reflexão e análise. É dessa forma, portanto, que o fato dessa história estar sendo narrada através dos olhos de uma criança ganha relevância, pois ao mesmo tempo em que há um nítido filtro diante dos eventos em cena, há também o distanciamento necessário para que cada um destes episódios encontre o significado e o peso certo dentro de um contexto mais amplo.

A arte, aliás, está no centro de muitas das discussões percebidas no filme de Caroline Link, cineasta vencedora do Oscar pelo burocrático Lugar Nenhum na África (2001). Aqui, segue trilhando caminhos que lhes são seguros, mas a mera opção de se dirigir a uma audiência mais jovem – como havia feito também no anterior O Menino Que Fazia Rir (2018) – é suficiente para abordar temas urgentes sem a necessidade de transformar cada uma destas discussões em embates dos quais todos perdem, inclusive os que acreditam terem vencido a batalha, apenas para serem abatidos logo em seguida. Assim como o pai escreve, a mãe, Dorothea (Carla Juri, de Blade Runner 2049, 2017), é musicista. A família sempre esteve rodeada por espíritos criativos e provocadores. Assim, seja entre estranhos que os olham com curiosidade, ou vizinhos que os veem com desprezo mesmo sem conhecê-los de fato, haverá da parte deles, antes de qualquer outra coisa, mais um interesse em entender, ao invés de revidar na mesma moeda.

O primeiro passo dos Kemper será a Suíça, mas essa, por mais que afirme sua neutralidade, é próxima demais para ser influenciada pelo que se passa ao norte de sua fronteira. Seguir em movimento será necessário, por mais que deixar para trás costumes que desconhecem, porém vistos como acolhedores, siga doendo em suas rotinas. Ao chegarem em Paris, mais uma fase de adaptação se fará presente. Porém, tudo o que antes era verde e amplo, se torna cinza e fechado. Deixa-se o interior, abraça-se a cidade grande. O pai se vê isolado em um radicalismo que não encontra espaço, a mãe faz os sacrifícios exigidos pela família, e o irmão mais velho tentará, ainda que do seu jeito, normalizar ao máximo o que estiver ao seu alcance. Quanto à caçula, entre reagir e se conformar, Anna – vivida pela revelação Riva Krymalowski – terá os desafios próprios da idade com os quais lidar. O período de transformações, como se percebe, ganha novos contornos diante seus olhos.

Olhando em retrospecto, caberá ao espectador conter a expectativa em relação aos próximos passos a serem dados pelos Kemper. Afinal, há duas verdades a respeito: primeiro, sabe-se bem até onde as forças nazistas foram capazes de alcançar, e o quão seguros – ou não – os protagonistas estão em cada uma das suas paradas; e a segunda, é fato que Anna, ao menos, irá sobreviver – afinal, o filme baseia-se no livro com as suas memórias. E se viveu para contar, há de se ter ainda o discernimento que, numa existência repleta de descobertas, surpresas e paixões, o carinho especial que se é possível guardar pela infância tem força suficiente para fazer a diferença diante episódios futuros talvez até mais importantes, mas talvez não com os mesmos significados. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa pode ser um título inusitado demais para um filme tão simpático, mas é a estranheza necessária para garantir a atenção a respeito de uma história que conquista mais pela sensibilidade com a qual se desenvolve do que pelas grandes reviravoltas que, de um modo ou de outro, termina por oferecer.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
7
Alysson Oliveira
7
MÉDIA
7

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