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Sinopse

Um dos humoristas de maior relevância na Alemanha, Hans-Peter Kerkeling consagrou-se no mundo artístico também como ator, apresentador e roteirista. O que muitos de seus fãs sequer imaginam é que a sua infância foi uma verdadeira história de tragédia — que ele transformou em humor.

Crítica

O que faz uma pessoa seguir a carreira de humorista? De onde nasce a paixão pela comédia, o desejo de fazer os outros rirem? Partindo da trajetória do famoso comediante Hans-Peter Kerkeling, O Menino que Fazia Rir não se interroga sobre o aperfeiçoamento de seu talento nem a porta de entrada para a fama, mas sobre as condições na infância que teriam permitido o desabrochar deste dom. Em outras palavras, a diretora Caroline Link efetua o que se acostumou chamar de leitura genética, ou determinista, do biografado. Que condições únicas precisaram existir para se formatar um adulto de talento único?

A resposta se encontra em duas vertentes: a primeira seria a predisposição natural à comédia e à performance. De acordo com a narrativa, desde os primeiros anos de vida o garoto já seria fascinado por programas de televisão com esquetes humorísticas. Podemos falar portanto de um talento inato, misturado com a noção de um destino traçado. A segunda vertente, mais interessante tanto do ponto de vista psicológico quanto cinematográfico, diria respeito à percepção de Hans-Peter sobre o humor como antídoto à tristeza. Confrontado a duas perdas importantes durante a juventude, ele teria utilizado a mímica e a caricatura de outras pessoas para combater o próprio pesar e aquele das pessoas ao redor. Diante de uma ou mais tragédias, Hans-Peter imediatamente improvisa algum personagem capaz de aliviar as dores, trazer algum sorriso em meio às lágrimas. O humor se torna, portanto, remédio.

Este ponto de partida se revela perigoso por sugerir, como diriam os mais românticos, que o talento para a arte nasce da frustração, da dor, sublimadas numa forma de expressão poética. Ora, este ponto de vista parece justificar a marginalidade do artista enquanto “predisposição natural”, como se ele precisasse enfrentar a precariedade (material ou emocional) para aperfeiçoar seus dotes. A relação de causa e consequência entre tristeza e talento artístico tem contribuído historicamente a afastar a arte do ponto de vista de profissão, sendo vista preferivelmente pelos prismas de passatempo, distração, improviso. Felizmente, o roteiro foge um pouco à rigidez das narrativas sobre os “Pagliacci”, os “palhaços tristes”, ao se colocar rigidamente no ponto de vista dele, ao invés do olhar externo. Assim, consegue representar a dificuldade natural das crianças em lidar com a complexidade da vida adulta.

A diretora não se mostra muito afeita a sutilezas, preferindo uma gangorra emocional entre euforias e depressão profunda, sem meios-termos. Os momentos alegres são multicoloridos, ensolarados, passados em planícies verdejantes com a família reunida, brincando, ao som de música de acordeões e xilofones (algo bastante próximo das composições de Yann Tiersen para O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, 2001, diga-se de passagem). Já os instantes de morte são coroados pelo silêncio pesado, as sombras dentro de casa, a música triste de pianos, os rostos cobertos de lágrimas, o tom sinistro – até a chegada de Han-Peter com sua próxima piada, é claro. “É preciso seguir em frente”, dizia o avô do garoto, fornecendo o lema de vida adotado por esta criança muito mais madura que a média dos meninos de sua idade.

É certo que O Menino que Fazia Rir recai na idealização do biografado, seguindo fielmente as amarras do feel good movie, para o qual qualquer emoção deve ser duplicada e ressaltada pela estética, garantindo que não há ambiguidades para o espectador. Este é um cinema de facilidades, afinal: as escolhas imagéticas são um tanto simples, a alternância euforia-melancolia também opera de maneira esquemática. Mesmo assim, a produção se revela bastante competente, não apenas na escolha de atores, todos muito bons em suas funções (com destaque para o protagonista Julius Weckauf, verossímil enquanto criança destinada ao futuro nas artes) quanto no uso do steadycam para a fluidez, na montagem invisível e eficaz, e na organicidade dos saltos temporais.

Em outras palavras, este é um produto de ambição narrativa limitada, porém confiante na vocação do cinema em dialogar diretamente com os sentimentos, provocando uma catarse através do choro ou riso – e, se possível, dos dois. Esta é uma história recheada com lições de vida e figuras exemplares (a mãe amorosa, a avó querida, os colegas de escola tirânicos) na qual o biografado se torna um exemplo a seguir – não por sua condição de celebridade, e sim pela configuração de criança que soube utilizar suas tristezas como ferramenta para se reinventar. “Às vezes, a vida não é fácil, não é, Hans-Peter?”, confessa o avô carinhoso. Ao invés de proteger a criança das dificuldades, de minimizar a dor do luto ou proibir a presença num velório, o singelo filme alemão privilegia a tese (louvável ou criticável, a gosto) de que é preciso se expor às dores da vida, porque elas nos tornarão mais fortes e farão de nós quem somos de fato na vida adulta.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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