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Sinopse

Adolf Hitler acorda na Alemanha de hoje, como se não tivessem se passado mais do que alguns segundos entre a Segunda Guerra Mundial e a atualidade. Perdido em um mundo mais tecnológico e conectado, logo encontra ajuda na amizade com um cinegrafista freelancer, que se interessa por sua história e começa a acompanhá-lo, enquanto esse passa a ganhar fama nas ruas e a reconstruir o Partido Nazista.

Crítica

O que aconteceria se Adolf Hitler existisse nos dias de hoje? Que tipo de impacto um dos maiores vilões da História causaria na sociedade moderna? E quanto a nós, o povo do Século XXI, agiríamos assim de maneira tão diferente quanto os alemães dos anos 1930? Aparentemente o escritor Timur Vermes se interessou muito em responder essas perguntas, criando uma pequena fábula em que Hitler é magicamente transportado do final da Segunda Guerra para a nossa atualidade. Entretanto, Vermes foi precipitado, pois se tivesse esperado mais um tempo veria sua ficção se transfigurar em realidade, com Donald Trump nos Estados Unidos e com Jair Bolsonaro no Brasil, que tantas décadas depois ainda enfileiram cegos e fiéis eleitores (em quantidade suficiente para colocar ambos perigosamente perto da candidatura à presidência de seus respectivos países) que apoiam os mesmos valores conservadores dos nazistas – apenas com uma embalagem mais neoliberal. Por isso que Ele Está de Volta, o filme, apesar de encontrar problemas em se identificar como ficção ou mockumentary (documentário falso), acaba soando tão preocupantemente revelador.

Na verdade, não é surpresa que o projeto seja prejudicado ocasionalmente por suas intervenções mais documentais (remetendo sempre a Borat), uma vez que, por fatores como os apontados acima sobre Trump e Bolsonaro, nesse caso é difícil afastar a ficção da realidade. E se isso incomoda quando vez por outra os personagens convenientemente se tornam cientes de que há uma câmera filmando-os, enquanto em outras a decupagem se torna obviamente dramática (com vários ângulos e até mesmo uma visão de dentro da tela de um computador), o recurso acaba se justificando ao trazer aqui e ali imagens da população nas ruas reagindo à presença de um homem fantasiado de Hitler. Momentos que se tornam alarmantes quando se percebe que nem todos parecem repudiar aquela figura, e que de fato, há alguns que a apoiam, erguendo os braços no clássico gesto de “Heil, Hitler!”.

Aliás, se assumidamente um mockumentary, Ele Está de Volta seria mais eficiente – como era o próprio Borat (2006). Já que, embora curiosa, a primeira parte do longa - concentrada no típico caso de peixe fora d’água, depois que Adolf acorda misteriosamente no meio da Berlim de 2014 - é trôpega por parecer muito deslumbrada com a sua própria ideia (e em apresentar referências a outros filmes que lidam com viagens no tempo, como O Exterminador do Futuro, 1984, ou De Volta Para o Futuro, 1985). Até mesmo essas menções se tornam mais orgânicas a partir do segundo ato, com Hitler (Oliver Masucci) se convertendo em um Howard Beale de Rede de Intrigas (1976) depois que Fabian (Fabian Busch), um cinegrafista freelancer, consegue que a rede de TV para a qual vende seu material aceite dar a Hitler o seu próprio quadro em um programa. Aqui o filme também referencia figuras reais, o que soa como um interessante comentário sobre como a humanidade tende a repetir certos padrões, introduzindo a diretora do canal, Katja (Katja Riemann), que faz às vezes de uma Leni Riefenstahl, enquanto o produtor Christoph (Christoph Maria Herbst), se converte gradualmente em um Joseph Goebbels.

As diversas referências e ligações que se percebem conforme o filme vai chegando ao clímax (recurso que encontra seu ápice depois que o longa reencena a famosa sequência já exaustivamente parodiada na internet de A Queda: As Últimas Horas de Hitler (2004), inclusive com um personagem mais tarde pedindo para ser interpretado por Bruno Ganz, que viveu o déspota nessa produção) vão amenizando a disparidade entre os momentos claramente ficcionais e aqueles nem tanto. E se torna até mesmo uma tarefa para o espectador conseguir diferenciar em certos instantes os atores contratados das pessoas desinformadas sobre o projeto que apenas estão reagindo naturalmente à presença de Hitler – já que, depois um tempo, não é difícil imaginar que algumas delas realmente acreditam em cada palavra dos discursos de ódio que proferem. Assim, é ideal que o filme reserve o final mais catártico para uma produção de ficção sendo rodada dentro da trama, e deixe que Ele Está de Volta, em si, tenha um desfecho mais preocupante e, portanto, mais verossímil.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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