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Sinopse

Após o fechamento da Platzspitz, em 1995, Mia e sua mãe, Sandrine, se mudam para uma pequena cidade nos arredores de Zurique. Mia busca refúgio num mundo de fantasias diante da realidade marcada por uma mãe toxicodependente, prestes a perder sua custódia.

Crítica

Uma criança chega até outra, sentada em um balanço, e pergunta: “por quê a sua boneca não tem os olhos?”. A resposta vem direto, sem sequer tempo para pensar: “para que ela não veja tudo isso”. É sintomático que Praça Needle Baby seja um filme absolutamente musical, ainda que longe dos parâmetros mais tradicionais do gênero. A trama sobre uma garota tendo que lidar com a mãe viciada em drogas começa ao som dos versos “eu estou quebrado, quero voltar para casa”, para terminar com um inevitável “vou voar para longe daqui”, deixando claro não apenas a jornada de transformação da jovem protagonista, mas também tudo o que ela terá que abrir mão para finalmente se encontrar e alcançar o seu intento: muito mais difícil do que estar ao lado de quem precisa de ajuda, é se afastar quando dentro de si o sentimento clama pelo contrário a ser feito.

Até meados dos anos 1990, Zurique, uma das mais populosas cidades da Suíça, tinha no parque Platzspitz a maior concentração a céu aberto de viciados e dependentes químicos de toda a Europa. Acontece que, naquela época, a polícia era proibida de entrar nos limites da praça e realizar prisões – era um lugar onde os consumidores de drogas tinham liberdade para agirem e fazerem uso de tudo o que lhes dessem vontade. Isso continuou até 1995, quando a política a respeito do local mudou e hoje não há mais vestígios do que por ali já aconteceu. No entanto, há consequências a respeito desta forma de agir. Uma das principais são os chamados “filhos de Platzspitz”, que seria, aliás, a melhor tradução para o português do título original: Platzspitzbaby. Ou seja, homens e mulheres se encontravam, se aproximavam, se atraíam. E, obviamente, se relacionavam. Meninos e meninas nasceram desses contatos. E quem se responsabiliza por eles?

O diretor Pierre Monnard (premiado no Swiss Film Prize pelo curta Swapped, 2002) se aproximou do livro homônimo de Michelle Halbheer buscando o olhar infantil relacionado a uma questão que exige muita seriedade para ser trabalhada. Na primavera de 1995, quando Platzspitz foi fechado, Sandrine (Sarah Spale, de Trem Noturno para Lisboa, 2013, assustadoramente parecida com Charlotte Gainsbourg, tanto na aparência quando no modo de se portar em cena) fica sem ter para onde ir. Com o auxílio do governo, ganha um apartamento e ajuda financeira para se sustentar porque é com ela que a filha decide ficar, a pequena Mia (a revelação Luna Mwezi). A criança sabe que a mãe depende dela. E assume esse fardo com bastante dor, mas também com uma maturidade que alguém de apenas 11 anos não deveria ter que suportar.

Ainda que seja longo demais – há cenas reincidentes, principalmente em relação ao desgaste vivido por Mia por seguir esperando por uma recuperação da mãe, uma mulher decidida a se afundar cada vez mais no vício, sem dar um passo sequer rumo a uma possível recuperação – o filme é eficiente em prender a atenção do espectador muito pelo talento das atrizes à frente dessa história. Além de Luna e de Sarah, há ainda Anouk Petri, que surge como Lola, aquela que poderá se tornar a melhor amiga da protagonista, mais do que uma afinidade ou por uma questão de simpatia, mas, acima de tudo, pelos paralelos que essas duas enfrentam em suas vidas. É pelas três que se é possível torcer para que uma abra, enfim, os olhos, que outra possa, afinal, tomar um rumo e mudar aquilo que está ao seu redor, ou permitir que os muros construídos em torno de si possam ser demolidos numa baixa de guarda capaz de transformar o caminho de cada uma delas.

É importante ter em mente que o filme de Monnard – assim como o livro de Halbheer – expõe apenas uma visão de um problema muito mais complexo. Há uma crítica evidente sobre o assistencialismo social das autoridades, mas também serve apenas para reforçar o quão limitador pode ser a atuação do governo. Como ajudar aqueles que não querem ser ajudados? Como cuidar de quem pensa ter apenas direitos, sem encarar seus deveres? Praça Needle Baby é reflexo de uma postura libertária que cobrou um preço alto demais por acreditar que o melhor era justamente não interferir. Ao término, um letreiro surge na tela, dedicando o projeto “às crianças invisíveis”. É por elas, portanto, que essa reflexão, ainda que não seja original ou revolucionária, se mostra válida e precisa na sua abordagem. Pois não basta reconhecer tais equívocos, mas também aprender com esses erros.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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