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Sinopse

Dilacerado emocionalmente após a esposa acabar em coma, um jovem detetive precisa caçar um assassino em série que está aterrorizando as cercanias.

Crítica

O protagonista de Perseguindo o Assassino é Ryan (Matt Hookings), policial encarregado de desvendar uma série de homicídios em meio à dor pela convalescença da esposa. Sendo assim, ele se filia ao arquétipo do guardião da lei que precisa desarticular o mal reinante nas cercanias à medida que enfrenta os próprios demônios, alguns deles inclinando-o a fazer algo de errado no trajeto “justificado” pela dor. Mas, desde os primeiros momentos fica claro que Hookings não tem estofo para dar conta das complexidades inerentes à figura. Ele sustenta o mesmo semblante nas cenas de autocomiseração à beira do leito da acamada e diante das pistas reveladas esquematicamente na trama. Tente encontrar lágrimas escorrendo de seu rosto nos instantes mais desesperadores do personagem e nada terá. Todavia, a julgar pela quantidade de problemas conceituais, do roteiro à encenação, passando pelo caráter postiço que assalta o conjunto, pode-se conjecturar que a debilidade desse tipo também seja fruto da direção frouxa do cineasta Dom Lenoir, algo gritante no filme.

Um dos principais elementos subaproveitados em Perseguindo o Assassino é a culpa. Senão, para começo de conversa, por que fazer exatamente o sujeito que Ryan libera da cadeia ser o que atropela a sua esposa,  sem depois disso desenvolver os tantos efeitos colaterais da decisão? Uma vez sinalizando a convenção, o diretor aponta o caminho, mas simplesmente o negligencia no decurso da trajetória supostamente lancinante do policial. Como esse, há vários pontos basicamente jogados na história sem qualquer desenvolvimento, como quando o parceiro diz ser novato. Dom Lenoir empilha pequenos acontecimentos sem porquê nesse jogo de gato e rato que carece bastante de substância. Além disso, a paisagem da cidadezinha litorânea é um prato cheio ao desenho da pequena comunidade assolada pelo vulto desproporcional. Mas, o realizador está mais preocupado com os planos aéreos realizados por drones, fazendo deles simplórios instantes de transição, muito longe de delinear essas singularidades geográfica e social que poderiam sedimentar um pano de fundo minimamente instigante. Gradativamente, situações, dores e amores perdem a pouca verossimilhança.

No que concerne à investigação, ela é feita de indícios deixados para trás com boas doses de displicência e conclusões devidamente sublinhadas para que o espectador menos atento não perca qualquer coisa. Falta investimento no material humano, nos contornos das pequenas tragédias se acumulando nesse espaço supostamente bucólico e aconchegante. Entretanto, Perseguindo o Inimigo dá conta de, em seu terço final, deixar de ser apenas um filme desengonçado e mal organizado, com um enredo para lá de surrado, piorando ao dispor desajeitadamente algumas circunstâncias difíceis de engolir. Sem deter-se nas particularidades de determinado personagem tido como pária, há a rocambolesca reviravolta envolvendo suicídios abnegados que intentam permitir um transplante de coração. Se estivéssemos falando de um jogo de xadrez, seria como se o realizador, tomado pela sensação de estar fazendo um movimento excepcional, deixasse involuntariamente sua Rainha à mercê do oponente. Ao invés de suscitar a cumplicidade da plateia, Dom a toma como um adversário.

Porém, quando não parece possível descer ainda mais a ladeira, Perseguindo o Inimigo apresenta um encerramento digno de folhetim ruim, com direito a uma “reviravolta” previsível e arrematada pelo constrangedor último ato de heroísmo de alguém que pretensamente se redime à beira da morte. Levianamente embaralhando eutanásia e assassinato, não deixando tão claras as intenções de quem ora parece misericordiosa, ora desatinada patologicamente por uma nódoa permanente e definidora, Dom Lenoir consegue a proeza de complicar esse trajeto errático feito de peças encaixadas à fórceps e gente postiça. Para ele não basta recorrer a um famigerado monólogo do vilão, aquelas circunstâncias didáticas em que o bandido simplesmente suspende o filme para contar, nos mínimos detalhes, porque e como desempenhou a sua função. Há dois malfeitores se confessando, subsequentemente. Tudo que diz respeito ao estofo desses personagens, tal como contrição, sofrimento, misericórdia, empatia, responsabilidade, afetos e afins, acaba soterrado pela apuração policial sem sabor, repleta de temperos mal utilizados. O resultado é uma experiência bem sonolenta.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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