Sinopse
A protagonista de Pasárgada é Irene (Dira Paes) é uma ornitóloga em missão secreta pela Mata Atlântica, no Rio de Janeiro. Durante projeto de pesquisa no meio da floresta, ela redescobre sua tropicalidade após conhecer Manuel, um jovem guia que fala a língua dos pássaros e traz à tona seus dilemas como mulher, mãe e profissional.
Crítica
Não são poucos os casos de atores e atrizes que se aventuraram na direção cinematográfica. O Pagador de Promessas (1962), único filme brasileiro que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, foi comandado por Anselmo Duarte, figurinha carimbada nas Chanchadas e em outras produções na qual desempenhou comumente o papel de mocinho/galã. Depois de décadas nos acostumando com sua presença nas telas, Dira Paes resolveu entrar para esse time ao dirigir e protagonizar um filme. O resultado é Pasárgada, longa-metragem que conta a história de Irene (Dira), ornitóloga mergulhada na mata atlântica em busca de pássaros raros. As interações remotas com um típico vilão caricatural que representa (ingenuamente) o mal estrangeiro pairando sobre as belezas naturais brasileiras deixam pistas sobre a atuação dela como membro de uma rede de traficante de animais silvestres. Desse modo, a roteirista/diretora Dira fornece ao espectador mais informações do que aos coadjuvantes, com isso tentando estabelecer uma tensão. Mais cedo ou mais tarde, as intenções criminosas podem ser desmascaradas. Porém, o suspense é uma camada pouquíssimo trabalhada ao longo dessa trama preenchida por diversos momentos em que nada de importante está acontecendo, em que os silêncios e a introspecção não são utilizados como indícios ou gatilhos, por exemplo, dos dilemas éticos dessa protagonista.
Pasárgada transborda uma intenção da diretora iniciante de ser exuberante e poética. Enquanto Irene se acerta com o experiente guia contratado, fica indo e voltando à floresta em busca de um momento de solidão que apazigue os demônios internos supostamente esperando uma oportunidade para vir à tona. A cena dela dialogando com seu empregador via conferência de vídeo – cujo ápice é uma performance estranha encerrada com o plano-detalhe em sua boca dizendo “eu sou tropical” – é apenas um dos momentos em que a cineasta Dira parece um pouco perdida em relação aos rumos da trama. Há muitos trechos da protagonista nadando, olhando ao longe com seus binóculos, transitando pela mata densa na companhia do prestativo guia substituto Manuel (Humberto Carrão). É como se a realizadora estivesse ganhando tempo à espera de algo que não vem. Além dessas cenas que repetidamente desperdiçam recursos dramáticos em prol da observação lírica que poucas vezes se concretiza como traço importante, Dira não amarra todos os assuntos e vieses que vai abrindo à medida que sua personagem adentra no universo fascinante dos pássaros silvestres. Afinal de contas, o filme fala da jornada íntima de uma mulher arrependida de ser uma traficante? De fantasmas familiares? Do desejo não consumado que poderia transformar a estadia de Irene num delírio febril? Qual é o mote?
As interações remotas da protagonista com a irmã mais velha (Cássia Kis) e o chefe tirano (Peter Ketnath) são feitas pelo computador, o que denota frieza. Mas qual a diferença fundamental dessas conexões que Irene estabelece à distância com as duas pessoas (que a repreendem em situações diferentes) e as com os empregados contratados para guia-la pelo território tão traiçoeiro quanto fascinante? Não fica muito claro, sequer obscuro ao ponto de causar mistério, se Irene está sofrendo por conta de um chamado da natureza que a mergulha em culpa. Também não é bem resolvida a tensão erótica criada com Manuel, o homem que conduz a protagonista pela mata na qual precisa colher dados à atividade ilegal e imoral do tráfico de animais silvestres. Sempre competente ao interpretar mulheres fortes, mesmo quando externamente apresentam fragilidades que sugiram o contrário, Dira Paes provavelmente sentiu demais o peso de acumular funções justamente no seu debute como diretora de longas-metragens. A inexperiência neste caso cobra o seu preço de alguém que ora pisa em terreno conhecido (o da atuação) ora tateia as paredes de uma novidade (a direção) que ainda não domina como ofício. O resultado é um filme que abre inúmeras possibilidades, toca em assuntos importantes, mas não acontece. A trama é repleta de flagrantes pouco estimulantes de contemplação, deslumbre e crise pessoal.
Numa produção como essa, em que a natureza vira personagem, espera-se que a fotografia desempenhe uma função narrativa significativa. O trabalho de Pablo Baião é bonito, mas em poucos momentos contribui, por exemplo, para elaborar o cenário como organismo vivo no qual a protagonista entra em conflito. E há também interações desperdiçadas, como a conversa com a irmã mais velha de Irene, que começa em clima ameno e festivo, abruptamente evoluindo para a lavagem de roupa suja. Mais do que a briga em si, para além dessa tensão entre irmãs que encerram a chamada trocando juras de amor e demonstrando saudade, o mais importante é como Dira utiliza a coadjuvante interpretada por Cássia Kis para oferecer ao espectador uma leitura da protagonista. Pasárgada não é tanto um exemplar de personagem, pois investiga pouco a personalidade, as motivações, as contradições, a personalidade, a psicologia e a ética da protagonista; mas também não vai longe como exemplar de situação, afinal de contas é confuso o emaranhado de fios soltos envolvendo o “gringo” vilanesco, a sugerida malha de traficantes, um assassinato e a mulher arrependida. No primeiro passo como diretora, Dira Paes povoa o filme com intervalos de introspeção, mas acaba em boa parte deles sendo dispersiva. Irene é “purificada” pela natureza e se arrepende. Uma ideia poética, mas que nunca engrena.
Filme visto no 18º CineBH, em setembro de 2024.
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