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Sinopse

Deixado para morrer depois de salvar uma jovem que estava sendo sequestrada, o espirituoso D'Artagnan sequer imaginava que sua busca por vingança o levaria ao centro de uma guerra que determinaria o futuro francês.

Crítica

A história é uma das mais conhecidas da literatura – mundial, não apenas francesa. Acredita-se que primeira vez que foi adaptada para a tela grande tenha sido ainda no século XIX (há registro de um curta-metragem de 1898), com dezenas de outras versões nas décadas seguintes. Mickey e o Pato Donald, John Wayne e Logan Lerman, Gene Kelly e Charlie Sheen, de tempos em tempos Hollywood faz questão de mostrar o seu apreço em relação à obra imortal de Alexandre Dumas. Qual o diferencial, portanto, deste Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan? Talvez a resposta esteja na própria elaboração da pergunta. Afinal, se a imensa maioria das adaptações anteriores foram feitas nos Estados Unidos (ou, ao menos, em língua inglesa, voltada ao mercado internacional), esta de agora é assumidamente uma produção francesa, terra natal do autor e onde grande parte da trama, de fato, acontece. Parece pouca coisa, mas tirando a constrangedora participação de Catherine Deneuve em A Vingança do Mosqueteiro (2001), a última vez em que artistas verdadeiramente franceses estiveram envolvidos em uma versão de peso do lema “um por todos e todos por um” havia sido em Os Três Mosqueteiros (1961), de Bernard Borderie, há mais de sessenta anos! Uma nova – e atual – leitura pátria, portanto, era mais do que urgente. E o melhor: a espera se justifica em um filme ágil, ainda que atento a um texto que se tornou clássico.

Assim como fez seu compatriota Borderie, o responsável da vez, Martin Bourboulon também se encarregou em dividir o romance histórico escrito por Dumas (na verdade, o primeiro tomo de uma trilogia) em dois capítulos. D’Artagnan, portanto, trata-se da “parte um”, enquanto que o vindouro – filmado de forma simultânea e previsto para estrear no final deste mesmo ano – ou seja, a “parte dois”, terá como subtítulo Milady. O curioso é que nem o batismo que se tornou conhecido no mundo todo – Os Três Mosqueteiros – muito menos aquele que o autor guardava preferência inicial – Athos, Porthos e Aramis – dão conta do verdadeiro protagonista da trama: D’Artagnan. Este é o jovem recém-chegado à capital, vindo do interior, com sonhos de se juntar à guarda real. Lá, ainda que por meios pouco convencionais, acaba conhecendo os três mosqueteiros mais notórios de toda uma legião – ninguém menos do que Athos, Porthos e Aramis, claro. Só que estes são mais coadjuvantes, pois o foco está, de fato, no novato. Ou seja, talvez tivesse sido melhor chamar de Os Quatro Mosqueteiros. Um descuido que aqui é corrigido.

François Civil, conhecido no Brasil por sua participação na série Dez Por Cento (2015-2017), segue explorando uma suposta jovialidade, mesmo já tendo mais de trinta anos. Essa estranheza, no entanto, não chega a ser problemática, pois seu D’Artagnan se mostra tão resoluto e determinado em seus propósitos que rapidamente o ator se encarregará de convencer a audiência de se tratar de não mais do que um adolescente impetuoso. Um desconforto maior se dará entre as diferenças de idade dos três amigos: Athos (Vincent Cassel, de 1966 e já bastante grisalho), Aramis (Romais Duris, de 1974, novamente vivendo um tipo sedutor), e Porthos (Pio Marmaï, de 1984 – ou seja, quase vinte anos mais novo que seu colega mais velho – se adaptando a um jeito abrutalhado, e assim escondendo-se da beleza selvagem que marcou seus primeiros trabalhos). Porém, da mesma forma como acontece com D’Artagnan, trata-se de três atores no domínio de suas zonas de conforto, mas não acomodados – pelo contrário, dispostos a tirar desse expertise o melhor que lhes for possível.

A trama se passa na França do século XVII, quando o rei Luis XIII (Louis Garrel, deixando a afetação de lado e oferecendo uma figura mais concreta e, por isso mesmo, real) se vê obrigado a lidar com a crescente fome de poder dos representantes da Igreja Católica, que julga ter sob controle – o que mais tarde se mostrará um equívoco – e a eminente rebelião dos protestantes, estes incitados pelos inimigos britânicos, que almejam tomar a coroa francesa para si. O monarca, porém, está cercado por traidores, e lhe custará uns bons reveses até descobrir ter poucos ao seu alcance dignos de confiança: entre estes, obviamente, estão os três – ou, melhor dizendo, quatro – mosqueteiros. Até sua esposa, a rainha Ana da Áustria (Vicky Krieps, vívida quando necessária, dissimulada no resto do tempo) por ele não está mais interessada, e a paixão que sente pelo Duque de Buckingham (Jacob Fortune-Lloyd, de O Gambito da Rainha, 2020) poderá colocar em risco o futuro da monarquia – e seu próprio pescoço. Um exemplo do machismo da época: ao rei era concedido o direito de ter quantas amantes quisesse (ainda que a trama se exima destes exemplos, optando por uma visão mais romântica do casal, é sabido o quão libertinos tais poderosos poderiam ser), ao passo que, caso a rainha se arriscasse em um caso extraconjugal, a possibilidade desta infidelidade se tornar pública teria potencial de virar um escândalo nacional (e até mesmo ultrapassar fronteiras).

Bom, aos bravos mosqueteiros as mais variadas missões serão confiadas. Desde provar a inocência de um dos seus, injustamente acusado de assassinato, até defender a honra da rainha, na maioria dessas ocasiões estarão lutando, sim, pela coroa e pelo rei – e este não deixará de perceber tais esforços. Porém, além do inegável sabor azul-vermelho-e-branco que a trama, enfim, recupera, graças a uma impressionante reconstituição de época e um elenco comprometido com a dimensão do conto que possui em mãos, há de se reconhecer o empenho de Martin Bourboulon, que demonstra destreza desde as sequências de ação – da emboscada na qual os mosqueteiros selam seus laços de amizade até o ataque durante um casamento real – incorrendo mesmo nos momentos mais íntimos, como a atração que aos poucos vai surgindo entre D’Artagnan e a cortesã Constance (Lyna Khoudri, de A Crônica Francesa, 2021). Sem esquecer, é claro, a dimensão que a ardilosa vilã vai conquistando – a ponto de atrair as atenções para si na sequência já prometida. Milady é o tipo de personagem que Eva Green nasceu para interpretar, e aqui o faz com nítido prazer. Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan, assim, se mostra não apenas como uma eficiente diversão, mas também um resgate necessário que apenas a imaginação e a criatividade pode proporcionar, ao mesmo tempo em que se encarrega de elevar as expectativas para algo que promete ser ainda mais excitante. Que o tempo cumpra sua missão – e satisfaça as esperanças!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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