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Sinopse

Mesmo sendo completamente diferentes, Aristóteles e Dante iniciam um companheirismo muito especial. Aristóteles enxerga em Dante tudo o que ele queria ser, o que vira o seu mundo totalmente de cabeça para baixo.

Crítica

A descoberta da sexualidade tem sido um tema recorrente na ficção – seja cinema, teatro ou literatura, por exemplo – há décadas, senão séculos. Poucos destes que optaram por se aventurar pelos meandros comportados entre a ignorância e a surpresa percorreram este caminho de maneira tão discreta e sem maiores alardes, seja para o drama ou para a comédia, quanto Os Segredos do Universo, longa da diretora e roteirista Aitch Alberto baseado no romance Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo, de Benjamin Alire Sáenz. Há diversos títulos que podem ser citados como referência para esta obra mais recente, de Conta Comigo (1986) – pela relação fraternal entre meninos – a As Vantagens de Ser Invisível (2012) – pelo modo como se dá relação entre jovens de diferentes orientações sexuais. No entanto, se por um lado estas influências se mostram latentes e, portanto, aproveitadas com propriedade, da mesma forma se revelam por demais adequadas, como se citadas em um encaixe preciso, mas carente de um elemento extra que lhe confira a originalidade necessária para se destacar em uma linhagem por demais extensa. Está tudo no lugar certo, menos o caos na medida certa que possa lhe dotar da personalidade suficiente para ir além da mera reprodução de dilemas já conhecidos.

Aristóteles Mendoza (o estreante Max Pelayo) é um menino absolutamente normal, para o bem – e para o mal – que isso possa significar. É mais um dentre tantos na escola, com pais que enfrentam dificuldades não mais do que as esperadas e que vê o fim das aulas, e a consequente chegada do verão, como uma oportunidade de se afastar dos problemas (bullying, cobranças) e se concentrar no que quer para sua vida. Essa falta de conexão com o mundo ao seu redor começa a se amenizar ao conhecer Dante Quintana (Reese Gonzales, visto em séries como A Lista Terminal, 2022, e Young Sheldon, 2022). Este, por sua vez, age como não se importasse com mais ninguém, ciente de não se encaixar nos padrões pré-estabelecidos, mas favorecido pela segurança que vem de casa, de uma família afetuosa e independente. Os dois logo se tornam próximos, mas essa relação não deverá durar por muito tempo – ou mais ou menos isso. Dante e seus pais estão de partida, e durante o período em que estarão ausentes, Aristóteles aproveitará para usar o aprendizado que teve com o amigo para seguir com suas próprias pernas. Mas um eventual – e até mesmo aguardado – reencontro entre os dois não será tão tranquilo quanto ambos poderiam ter esperado.

Aitch Alberto nasceu como Henry Alberto, e hoje é uma das mais conhecidas cineastas trans em Hollywood. Por sua própria vivência particular, não lhe escapa o tema em debate neste que é o seu segundo longa-metragem como realizadora. O amor que existe entre Aristóteles e Dante é real, sensível e pulsante, mas não transita entre um e outro com a mesma intensidade – ou por igual forma de entendimento. Quando o atrito surge, aquela no comando da trama é hábil em evitar desfechos previsíveis para demonstrar uma preocupação maior com os sentimentos entre eles e como esses vão se transformando a partir de cada revelação, e menos com os atos que, pensados ou não, ganharão espaço no meio destes amigos em transformação. Há uma delicadeza recorrente no retrato tanto de um, quanto de outro, independente do modo como se veem – ou são vistos pelos outros. Quando todos parecem ter muito a dizer, uma única voz, mais singela e cuidadosa, pode vir a fazer toda a diferença. Por mais que rompantes não impeçam de se manifestar – afinal, são meros adolescentes, nem mesmo adultos ainda – o carinho e respeito que os uniu deverá permanecer, a despeito de qualquer turbulência.

Neste cenário, importante observar a assertividade como tanto Pelayo quanto Gonzales constroem seus personagens. Se o primeiro é introspectivo e repleto de dúvidas, ao mesmo tempo aproveita cada revelação que sua jornada vai lhe reservando e assimilando os passos dados como aprendizados a serem somados, e não descartados sem maiores reflexões. O segundo, por sua vez, surge desde o instante inicial como dono de si e de suas certezas frente a uma realidade que não hesitará em se mostrar cruel caso a oportunidade se confirme – e essa não tardará para ganhar vez. Porém, a verdade por trás dessa máscara esconde um apelo por proteção, uma necessidade de se distanciar e até mesmo desaparecer – pois, afinal, aquele que não é visto não será lembrado e, portanto, poderá seguir em paz. A solidão se mostra um destino atraente quando tudo mais pode representar perigo, mas a partir do momento em que uma companhia surge disposta a seguir pela mesma direção, voltar atrás não será mais possível. Os dois garotos transitam com desenvoltura entre um extremo e outro, fortalecendo não apenas a sintonia que irá uni-los, mas também as diferenças que fazem de cada um único perante o outro.

Em uma história na qual dois novatos assumem o protagonismo, é salutar se deparar com nomes como Eugenio Derbez e Eva Longoria em posições coadjuvantes, mas não menos relevantes. Os dois emprestam suas experiências e autoridades a um relato delicado, e se não singular, ao menos universal o bastante para gerar identificação em qualquer um que já tenha passado pelas – ou esteja enfrentando as – mesmas dúvidas e inquietações. Alberto, no entanto, por não se impor enquanto voz autoral e permitir que a emoção ganhe forma, por vezes resvala no genérico, sem conferir uma maior identidade a estas idas e vindas. A violência contra a juventude LGBTQIAP+ não pode ser ignorada, e aqui é vista sem menosprezar as repercussões de cada gesto ou declaração. Mas Os Segredos do Universo parece se contentar em apenas abrir os olhos, sem impor a mudança necessária para que, se não impedir que a tragédia se faça presente, ao menos propor a mudança necessária para que os mesmos deslizes se corrijam no futuro. Enfim, o terreno para a reflexão é fértil. Mas apenas apontar, sem por estas encruzilhadas percorrer, parece pouco diante do tanto que ainda há a ser feito.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Alysson Oliveira
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MÉDIA
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