Crítica


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Sinopse

Obcecado com o próprio corpo, o jovem Lucas se junta à mística Gilda, sua irmã, para uma viagem até o outro lado do país com a intenção se satisfazer o último desejo de sua falecida mãe. Apesar de serem totalmente diferentes um do outro, encontram no objetivo uma razão para união.

Crítica

Nesta comédia dramática, cada personagem é descrito por sua característica mais exótica. Lucas (Tomás Wicz), garoto franzino, é um apaixonado por exercícios físicos e sonha em se tornar lutador de jiu-jitsu. Gilda (Laila Maltz), a irmã mais velha, possui um namorado invisível, que todos questionam se existe de fato. A mãe morta se comunica através de sons robóticos, em língua desconhecida, vindos de um buraco na praia. Na ausência de cinzas para despejar, os filhos possuem a mão da matriarca, que pretendem jogar em alto mar. O melhor amigo de Lucas é um youtuber solitário. Já a irmã se vê às voltas com uma fita que não pretende escutar. Em certo momento, tiram cartas para ler o futuro. Algumas cenas mais tarde, praticam terapias cosmogênicas.

Os Membros da Família

O roteiro está repleto de tiques e esquisitices, de onde o diretor Mateo Bendesky pretende extrair a maior parte do seu humor. Estas ferramentas soam inconsequentes dentro da trama, funcionando como esquetes isoladas dentro da trama. Qual seria o peso psicológico de carregar consigo a mão da mãe morta? De que maneira as terapias e misticismos entram na trama, e o que representam para os personagens? Ora, estas questões importam pouco dentro da proposta ostensivamente indie, construindo duas figuras tragicômicas da marginalidade, apenas para confrontá-las à própria solidão e propor uma conciliação entre os deslocados rumo ao final. O luto, tema de fortes implicações psicológicas, é transformado numa viagem à beira do realismo fantástico.

Existe evidente cuidado de produção em Os Membros da Família. A direção de fotografia, de tons desbotados, é muito bem cuidada do início ao fim, enquanto o trabalho de som se revela impecável, e os atores, em especial, se divertem com o tom improvável de suas falas. Tomás Wicz e Laila Matz, vistos nos cinemas brasileiros recentemente com Uma Viagem Inesperada (2016) e Família Submersa (2018), respectivamente, interpretam tipos destinados a funcionar como o oposto de suas representações habituais: ele encarna o magrelo com delírios de força física, ela faz a garota pouco erotizada que fotografa os próprios seios quando está entediada. As provocações entre os irmãos rendem os momentos mais verossímeis da história, especialmente porque Bendesky se sai muito melhor no retrato improvável dos corpos do que na caracterização da invisibilidade (da mãe, do namorado da filha, da homossexualidade do filho).

A propósito da homossexualidade de Lucas, o roteiro decide transformá-la num enésimo fator de comicidade, assim como o cadáver da mãe. O roteiro acredita por bem entregar a cada um dos dois um amor “exótico”, o que significa dar à garota um namorado muito mais velho, e ao garoto, o afeto de outro rapaz. O fato de se extrair humor da possível aproximação entre dois homens soa debochado, para não dizer preconceituoso. Por mais que Lucas não seja punido por seu afeto, este relacionamento se torna mais um gadget, um cacoete para o diretor retratar como estes personagens são estranhos, porém tão cativantes. O fetiche da diferença não colabora a transformar estas figuras em pessoas tridimensionais. Ri-se, na maior parte dos casos, de Lucas e Gilda, ao invés de rirmos com eles. Por mais carinhosa que seja a abordagem, ela não esconde certo desdém pelos irmãos.

Ao fim, Os Membros da Família se revela um filme de muitas atividades, porém poucos conflitos. A dupla central se desloca o tempo todo, da praia à casa, da festa à praça, mas nenhuma dessas ações transforma a vida de cada um deles. O roteiro recorre a saídas fáceis demais, a exemplo da greve interminável, criada para retê-los na cidade. Enquanto isso, nem Lucas, nem Gilda possuem qualquer forma de ingerência sobre suas vidas, limitando-se a reagir desajeitadamente às pressões ao redor (a necessidade de jogar a mão ao mar, a obrigação de devolver a casa da família). “O que fazemos agora?”. ”Não sei”. Esta é a sequência de diálogos mais repetida durante o filme. Por mais engraçado que seja testemunhar dois irmãos improváveis dialogando com a voz robótica de uma mãe invisível, o resultado se esgota rapidamente, enquanto humor e ferramenta narrativa, se ele não serve a construir personagem nem fazer a história avançar.

Filme visto no 27º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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