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Sinopse

Várias histórias de pessoas desaparecidas passam pelo programa Onde Quer que Você Esteja, que vai ao ar todas as sextas-feiras na rádio Cidade Aberta. Encontros, reencontros e pesares promovem cruzamentos transformadores de vidas e suas experiências particulares.

Crítica

A ignorância quanto ao paradeiro de uma pessoa querida é potencialmente lancinante. Mas, a despeito das aparências, não é propriamente na sombra desse sentimento persistente que os cineastas Bel Bechara e Sandro Serpa se debruçam em Onde Quer Que Você Esteja. Para além do testemunho da tristeza que acomete os personagens está o delineamento de um painel meramente exemplificador de circunstâncias que concernem aos desaparecimentos. Assim, mesmo que haja a vontade de sublinhar a dor dos parentes que permanecem sem notícias, vide o cônjuge abatido pela falta de informações acerca do destino da amada, o que sobressai é uma sucessão de recortes superficiais, válidos principalmente por sua heterogeneidade deflagrada. Tais casos se concentram no programa de rádio que dá nome ao filme, cuja função é promover reencontros e manter viva a esperança de que o infortúnio de não saber será passageiro. Infelizmente certos meandros são desperdiçados.

Adultos e crianças utilizam o microfone para mandar recados aos ausentes. Curioso, pois as descrições do locutor são genéricas, o que torna aquele momento bem mais importante para os demandantes imaginarem-se em contato com os que lhes fazem falta. Essa noção ganha amplitude na festa organizada pelos pais de um menino do qual não se sabe o paradeiro. Todavia, além de não agarrar essa oportunidade para observar a dinâmica por um prisma complexo, menos passível de explicações e racionalizações reducionistas, os realizadores permitem que o potencial se esvaia em confrontos banais. Uma familiar questiona veementemente os genitores a respeito da celebração sem a presença do aniversariante. Isso abranda a dramaticidade da situação, pois a aproxima do expositivo, dado a breve discussão que sucede a constatação do quadro desenhado por uma tentativa desesperada de atenuar, paradoxalmente, a dor da separação.

Onde Quer Que Você Esteja se apequena gradativamente, sobretudo em virtude da aproximação ingênua dos dramas pessoais e da encenação engessada por um percurso narrativo reiterativo. Ao invés de extrair nuances das singularidades de cada ocorrência, Bel Bechara e Sandro Serpa preferem amalgamar e, de certa forma, homogeneizar essas dores que se encontram na sala de espera da rádio. A repetição de manifestações ao microfone, bem como de interações na antessala movimentada, diminuem a particularidades em função de uma imagem supostamente ampla, repleta de exemplos diferentes. Boa parte das reivindicações não encontra resolução, mas outras têm desdobramentos diretos ou indiretos. A mulher que procura a filha adolescente não sabe do paradeiro oferecido ao espectador. Já um dos homens que investiga a localização da esposa, isso em meio a um processo que mescla angústia e raiva, ganha um desfecho que amplia a sua já árdua demanda.

Onde Quer Que Você Esteja perde o viço na medida em que busca amainar os desgostos com a possibilidade de recomeços. Notadamente, o envolvimento paulatino de Valdir (Leonardo Medeiros) e Lucia (Debora Duboc) aponta a esse desejo de mostrar os novos afetos surgidos da solidariedade e do acolhimento. A ideia se espraia a outras relações, mas igualmente de modo aparente, atendendo a um enunciado que soa imposto a fórceps em determinados instantes. Bel Bechara e Sandro Serpa fazem concessões, especialmente asfixiando nuances e afins, para que tudo se encaixe na tese de que a vida é surpreendente e improvável ao ponto de fazer amores brotarem em campos antes somente semeados pela desgraça. Porém, por exemplo, uma vez que nem todos os personagens recebem a segunda chance, o filme fica num meio termo incômodo entre desenhar os múltiplos pesares e consolidar a mensagem edificante quanto à capacidade do tempo de abrandar as tantas aflições

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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