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Sinopse

Escritor aposentado, Marcel decidiu viver em Le Havre. Sua rotina repetitiva (bar, trabalho como engraxate e o cuidado com sua esposa) é alterada quando ele conhece Idrissa, jovem imigrante africano.

Crítica

Para os já iniciados na obra do finlandês Aki Kaurismäki, não é surpresa alguma que O Porto seja tão abertamente voltado à fatia menos abastada de uma sociedade inserida no que se convencionou chamar “primeiro mundo”. Seu cinema bastante peculiar e, por isto mesmo, facilmente reconhecível, aponta com muita frequência à luta diária de gente simples, cidadãos comuns ocupados, sobretudo, com a manutenção ou resgate da dignidade. Pena que os longas de Kaurismäki sejam escassos no circuito comercial brasileiro, restando a internet como meio quase único a quem se propuser descortinar seu itinerário estilístico e constantes temáticas.

O Porto transcorre na região portuária Le Havre, na Normandia, onde não raro chegam contêineres carregados de imigrantes ilegais. Nesta cercania, vive o engraxate Marx, de condição financeira delicada e esposa prostrada numa cama hospitalar. Contra as probabilidades, o estado de espírito deste senhor é formado basicamente de otimismo e tenacidade, atributos imprescindíveis tanto para suportar a rotina dura e os seguidos golpes, quanto para ajudar o menino refugiado que encontra à própria sorte. A esperança se fortalece pela adesão dos vizinhos, na liga formada para salvaguardar o sonho londrino do garoto que busca a mãe. Os personagens lutam para preservar intimamente a decência esfacelada através de políticas públicas que deveriam por eles zelar.

Em O Porto, Aki Kaurismäki não utiliza o subtexto político/social apenas para reforçar as construções dramáticas (revertendo o que costuma fazer) e sim como linha guia na qual as figuras se equilibram contra a queda.  O finlandês conserva estilo marcado, o movimento essencial pela montagem e a luz como efetivo meio de expressão, principalmente nos interiores que denunciam a parte degradada de um país que vende riqueza aos demais. Acusada pela dureza com que trata a questão da imigração, a França surge como cenário propício para esta história cujo viés humanista se contrapõe ao protecionismo exasperado das grandes nações. Neste panorama, em que a repressiva policial contra imigrantes afronta a negligência da vigilância diária - evidência do ridículo - Aki Kaurismäki aposta assertivamente no protagonista merecedor de milagres por sua incorrigível obstinação, e na mobilização das pessoas que pouco podem lutando sozinhas, mas que se agigantam quando unidas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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