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Sinopse

Abel Rosenberg é um trapezista judeu desemprego, que descobriu recentemente que seu irmão, Max, se suicidou. Logo ele encontra Manuela, sua cunhada. Juntos eles sobrevivem com dificuldade à violenta recessão econômica pela qual o país passa. Sem compreender as transformações políticas em andamento, eles aceitam trabalhar em uma clínica clandestina que realiza experiências em seres humanos.

Crítica

Nada funciona bem, com exceção do medo, diz o inspetor Bauer (Gert Fröbe) para Abel Rosenberg (David Carradine), a fim de descrever com exatidão o momento pelo qual passa a Alemanha no fim dos anos 20. A depressão econômica, a alta taxa de desemprego, a insegurança e a instabilidade sócio-política se configuram como os principais motores que arrastarão o mundo moderno a conhecer um dos seus mais lamentáveis períodos. Para retratar não o terror, como o cinema fez tantas outras vezes – o mais impactante possivelmente em A Lista de Schindler (1993) – mas para apontar os momentos preliminares, a forma como o mal se espraia, Ingmar Bergman filmou O Ovo da Serpente (1977). O projeto surgiu da parceria do diretor sueco com o produtor italiano Dino De Laurentiis, responsável por clássicos como Noites de Cabíria (1957) e Serpico (1973). Marcado por um acabamento estético significativamente diferente dos filmes anteriores do diretor, o encontro dos autoexilados resultou também no primeiro filme de Bergman após deixar a terra natal por problemas com o governo sueco.

Para um distraído, a abertura de O Ovo da Serpente poderia indicar que se trata de um filme de Woody Allen, pois o peso dos outros filmes é substituído pela fonte simpática dos créditos preliminares, pelo jazz swing antecipando a narração em off e os diálogos em inglês. Tudo isso poderia guiá-lo ao equívoco, até se deparar com a maravilhosa cena em que Abel encontra o irmão morto na cama. A câmera, como a suspeitar o pior, evita acompanhá-lo. A sequência é uma das mais belas construídas por Bergman, que parece ter gostado da ideia de romper com a expectativa do público a fim de prendê-lo logo de início, como sugerem os mais modestos manuais de roteiro. A diferença entre uma dica e outra é a realização.

Construída a partir do roteiro original do diretor, a trama centra-se no artista de circo Abel, vindo dos Estados Unidos para Berlim. Aos poucos, saberemos que a cidade não passa por um bom momento, especialmente para um judeu. Após a misteriosa morte do irmão, da aproximação inusitada com a cunhada Manuela (Liv Ullmann) e de recair sobre o protagonista a suspeita constrangedora de outras mortes no seu bairro, Rosenberg se transforma em um personagem kafkiano, preso a uma neblina de culpa gradualmente mais concreta, sem jamais compreende-la; preso a um monstro camuflado que atende pelas cores do Partido Nazista.

Por ter saído do seu registro tradicional, Bergman não consegue o melhor dos resultados. A aposta de apresentar um enredo claro, acessível a um público mais amplo, prejudicou a autoria. Os diálogos marcantes de outras obras fazem falta, ao mesmo tempo em que o drama avança sem levar a um desenvolvimento interessante. O espectador compreende o clima que se instaura, as dúvidas que são lançadas, se solidariza, inclusive, com a paranoia que surge na cabeça do protagonista. Mas isso é muito pouco para o fim que encontramos. Ao querer ser mais didático, Bergman pecou pela falta de profundidade, por deixar seu filme boiar muito sem adentrar a água.

Perdido em uma Berlim sem fé no presente e no futuro, Abel é um condenado psicológico e social. O trabalho mental, no qual o filme coloca o espectador, não é suficiente para criar dilemas morais ou retratar angústias existenciais, como em O Sétimo Selo (1957) ou Luz de Inverno (1963). Pelo contrário, o filme abusa na procura pela dor e no chamado ao sofrimento, em uma encenação que se ágil e aberta – como nunca antes – se mostra movida mais pela indignação do que por motivos. Fora de casa, Bergman estranhou a si próprio. Um dos raros resquícios de outrora é a parceria com o fotógrafo que Sven Nykvist, que continuou trazendo um preto pujante para um dos raros desbotamentos artísticos do diretor.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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