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Sinopse

Estrella Carter é uma adolescente negra de dezesseis anos que presencia o assassinato de Khalil, seu melhor amigo, por um policial branco. Ela é forçada a testemunhar no tribunal por ser a única pessoa presente na cena do crime. Mesmo sofrendo uma série de chantagens, está disposta a dizer a verdade pela honra de seu amigo, custe o que custar.

Crítica

O discurso de O Ódio Que Você Semeia é duro e frontal. Embora o longa-metragem dirigido por George Tillman Jr. flerte com facilitadores, vide a violência espaçada contra os dois melhores amigos de Estrella (Amandla Stenberg), é um retrato poderoso da discriminação racial, lacerante já na cena inicial. Marevick (Russell Hornsby), ex-condenado que vela pela segurança da família, ensina aos filhos pequenos os protocolos de comportamento durante abordagens policiais. Portanto, desde os passos iniciais, a narrativa intenta deflagrar a brutalidade de uma conjuntura ampla e repleta de vãos, partindo do racismo velado, que não se assume enquanto preconceito. A cisão forçada da protagonista, que precisa ser diligente na escola particular distante das ruas agitadas do bairro onde mora, é outro indício de um subproduto perverso de séculos de opressão. O voice-over dá conta de explicitar essa autopreservação que consiste, primeiro, em evitar gírias características, palavras que na boca dos brancos soam descoladas, bem como atitudes tidas como hostis.

O filme analisa a sucessão desse apagamento, inclusive cultural, ao qual cidadãos negros são submetidos cotidianamente. Privada de expressões próprias de sua identidade, Estrella observa a apropriação da musicalidade negra por colegas alienados, sendo aceita no meio deles enquanto não representa ameaça ao status quo que recorre repetidas vezes à palavra “igualdade” para perpetrar o seu absoluto oposto. O Ódio Que Você Semeia prepara devidamente o terreno à ocorrência nefasta, infelizmente similar a outras tantas, não apenas nos Estados Unidos, mas especialmente simbólica num país com amplo histórico de belicosidade policial contra populações periféricas. A partir do assassinato estúpido de Khalil (Algee Smith), o enredo focaliza a mudança de paradigmas da menina que namora um adolescente branco, se disfarça ao longo da jornada escolar, porém é muito influenciada pela figura paterna que lhe encoraja sucessivamente. A tragédia consiste num homem da lei (branco) matando um jovem afroamericano por “confundir” sua escova de cabelo com uma arma de fogo.

O Ódio Que Você Semeia é construído habilmente sobre essa transformação na consciência de Estrella, que gradativamente passa a entender a importância de orgulhar-se de sua negritude, de lutar para expressa-la se preciso for. A criminalidade se faz presente na figura de King (Anthony Mackie), chefe da bandidagem local, sujeito cuja letalidade é reconhecidamente a fonte do poder de controlar as ruas. Contudo, a George Tillman Jr. interessa observar de perto o desabrochar da protagonista, sua ciência crescente dos riscos como algo familiar a alguém que deseja colocar determinadas coisas perniciosas de cabeça para baixo. O pai é tido como um leão, força da natureza disposta a defender os filhos, nem que seja devolvendo ao agressor a sua energia destrutiva. Já a mãe, Lisa (Regina Hall), é levemente inclinada a camuflar-se para passar despercebida e, por isso, evitar problemas. O cabelo alisado e as súplicas à mudança do bairro são sintomas claros. Mas, isso não a torna alheia, apenas acentua a crueldade também percebida no diálogo com o tio policial vivido por Common.

É realmente desafiador conter as lágrimas em certos momentos de O Ódio Que Você Semeia, especialmente naqueles em que a constatação dos abismos se torna perfurante, por conta da engenhosidade na costura dos fortes blocos. Isso é fruto da habilidade de George Tillman Jr. para entremear os dilemas pessoais e as demandas sociais intrínsecas ao decurso da trama. Amandla Stenberg sobressai no elenco robusto, que conta, ainda, com o trabalho emocionante e consistente de Russell Hornsby. A atriz consegue dar substância ao percurso empreendido por Estrella, personagem que vai do conforto a um estado de indignação irreversível. Encarando com brios diversos temas espinhosos, apostando na ouriversaria forjada na soma da simplicidade formal com a potência incisiva da dramaturgia, o filme é um projétil de verdades apresentadas sem firulas, com ações e reações diretas, fugindo ao maniqueísmo para, exatamente, fazer jus à gravidade das questões postas. A impunidade, aqui escudo demasiadamente branco, é afrontada pela plenitude do orgulho negro.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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