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Sinopse

Passados 15 anos desde que foi raptada enquanto ia à escola, Samantha está num hospital em estado de choque. Médicos e um investigador particular tentam resgatar as lembranças dos labirintos que ela criou para se proteger.

Crítica

No final do anos 1970, Dustin Hoffman era considerado um dos nomes mais quentes de Hollywood – contava com três indicações ao Oscar, além de participações em sucessos como Papillon (1973) e Todos os Homens do Presidente (1976). Nessa época foi chamado por ninguém menos do que Federico Fellini para ser o protagonista de Cidade das Mulheres (1980). Convite esse que, no entanto, recusou, por acreditar que não conseguiria se adaptar ao estilo de filmar do mestre italiano, que costumava gravar os áudios posteriormente, com os atores dublando a si mesmo em estúdio. Ou seja, insegurança e perfeccionismo. Duas características que, quase quatro décadas depois, parece ter abandonado ao aceitar a proposta para ser um dos principais nomes do elenco de O Labirinto, longa que marca, enfim, sua estreia no cinema italiano. Antes tivesse ocorrido o contrário. Ao menos teria participado de uma obra do cineasta responsável por A Doce Vida (1960) e Amarcord (1973), e com isso evitado o constrangimento que agora se verifica pela total falta de critérios desse seu mais recente projeto.

Afinal, por mais que o material de divulgação o aponte como o primeiro nome de O Labirinto, esse papel é ocupado por Toni Servillo, que havia sido parceiro de Donato Carrisi em seu longa anterior, A Garota na Névoa (2017). Ambos possuem a mesma origem: são baseados em best sellers escritos pelo próprio diretor, cuja carreira como escritor é muito mais sólida e bem-sucedida do que como realizador de cinema. Aliás, isso fica evidente durante o percurso deste segundo longa: todos os problemas em cena verificados podem ser creditados na conta daquele por trás das câmeras. São decisões hesitantes, uma falta de harmonia entre as tramas que, supostamente, deveriam se desenrolar em paralelo, e opções controversas, como a opção por imagens de impacto passageiro em detrimento do desenvolvimento dos personagens e de suas motivações que marcam sua atuação, mostrando que apesar de tantos tropeços, talvez houvesse ali material que, em mãos competentes, pudessem ter resultado em algo ao menos digno de atenção.

O que se verifica é um enredo de literatura de aeroporto, envolvente o suficiente para entreter durante uma ou duas horas, mas rápido e descartável para não durar por mais do que isso. Quando uma garota é sequestrada, quinze anos se passam na busca de qualquer notícia sobre seu paradeiro. Quando, enfim, é encontrada, desacordada em uma mata afastada, é levada para um hospital, onde é recebida pelo Dr. Green (Hoffman, que passa 90% do tempo no mesmo cenário), um especialista chamado para tratá-la. A intenção é clara: descobrir o máximo de pistas que possam ajudar na caçada pelo sequestrador – afinal, imagina-se que ela não tenha sido um caso único. Ao mesmo tempo, o investigador particular Bruno Genko (Servillo, repetindo o tipo desleixado e durão visto no recente 5 é o Número Perfeito, 2019) tenta, por conta própria, revelar a verdade por trás do ocorrido – tanto o que levou ao desaparecimento da garota, como, também, o que motivou seu retorno.

A impressão que se tem é de se estar diante de uma produção envelhecida, que talvez tivesse feito sentido nos anos 1990, mas que agora luta para se comunicar com um público com o qual não consegue estabelecer uma forma eficiente de conexão. Se fosse apenas um thriller psicológico (como o embate entre Hoffman, careteiro e desmotivado, e Valentina Bellè, que interpreta a garota que sobreviveu ao cativeiro, sugere), ou um policial no encalço de um serial killer (como a parte do enredo liderada por Servillo, desleixado e caricatural, se esforça em desenrolar), talvez conseguisse ser, ao menos, razoável. O problema é que, além de não se dedicar com afinco nem a uma coisa ou outra, ainda insere dados desnecessários e incongruentes. Como explicar os diálogos em inglês de um lado (a jovem passou seus anos trancafiada estudando uma língua estrangeira?) ou as descobertas dignas de histórias em quadrinhos do outro, que vão desde coelhos com olhos brilhantes até prostitutas em ambientes estilizados, passando por mensagens secretas e assistentes sociais vingativas? São elementos demais para história de menos.

Assim, mais distraindo do que convencendo a respeito do que havia sido proposto, O Labirinto se mostra uma aposta que não cumpre o que promete, capaz de desperdiçar os talentos de dois intérpretes até então acima dessas suspeitas. O trecho final, que coloca Hoffman e Servillo, enfim, um em frente ao outro, parece ter sido pensado mais como marketing ou pela expectativa gerada a respeito desse encontro do que pela função que tal diálogo possa adquirir dentro de uma trama que, das tantas voltas que acaba dando ao redor de si mesma, não só perde o foco como também se ocupa com revelações previsíveis e desenlaces que levam a lugar nenhum. É provável que no papel tais ideias possam ter resultado em algo atrativo, porém, ao serem transpostas para um ambiente audiovisual, não só se perdem, como acabam embaralhadas, mais ocupadas em se apresentar acima do que de fato abraçam do que investir em uma proposta que melhor estaria se aliada à simplicidade de uma mensagem direta e bem construída.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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