
Crítica
Leitores
Sinopse
Em A Doce Vida, clássico de Federico Fellini, Marcello Rubin vive em Roma ocupado como jornalista de escrever sobre a elite da cidade, isso enquanto busca ser reconhecido como escritor. Após receber a tarefa de acompanhar uma atriz hollywoodiana, ele se encanta por ela. Ao mesmo tempo, os mais curiosos tipos irão passar pelo seu caminho.
Crítica
Um dos clássicos absolutos da filmografia de Federico Fellini, A Doce Vida é, além de tudo, uma obra atemporal. Mesmo 55 anos após seu lançamento, sua mordaz crítica à sociedade do espetáculo é um banho de inteligência sobre questões atuais, o que dura mais tempo do que as curtidas de uma foto do Instagram. Retrato do pós-guerra italiano, é o rompimento do cineasta com o neorrealismo e a introdução de uma nova linguagem para suas obras, algo que perduraria filme após filme.
É no mundo das celebridades que vive Marcello Rubini (Marcello Mastroianni), nada mais que um alterego de Fellini em início de carreira. O jornalista precisa cobrir constantemente as festas da alta sociedade romana. A superficialidade impera em cada contato, seja com as pessoas ou com o mundo, tornando-o cada vez mais amargo, fútil e vazio, sem saber onde buscar uma saída. Aliás, ele assim o quer? É um retrato mais do que apropriado das mudanças da sociedade daquela época, do contraste entre o dito “cinema de arte” europeu e as grandes bilheterias da produções norte-americanas. Norte-americanos, por sinal, que tomam conta ao fazerem os próprios italianos adotarem seu estilo de vida guiado pelo consumo.
Porém, não é uma crítica tão direta aos Estados Unidos, mas sim aos modos com que o capitalismo transforma e rebaixa os valores do ser humano, evidenciando não um problema imperialista, mas sim um agravante geral de como a sociedade se transforma. Se para pior ou melhor, a questão é deixada para o espectador, ainda que Fellini imprima um caráter totalmente pessimista sobre o culto às celebridades. Um contraste evidente na belíssima, e mais do que famosa, sequência na Fontana di Trevi, na qual Sylvia (Anita Ekberg) toma banho e mostra toda a sua sensualidade para Marcello e o mundo.
É o boom do chamado Milagre Econômico, que elevou o padrão de vida não apenas das classes mais abastadas, mas também daqueles que viviam no interior e nos campos e migraram para a “cidade grande”, adequando seu estilo de vida para um cenário onde quem ostenta mais é mais visto. A sociedade hedonista dá valor ao surgimento de profissões como os paparazzi, tão bem exemplificados no filme, causando ainda mais a apatia proporcionada pela riqueza. Afinal, a felicidade tão buscada aqui, a doçura da vida exposta pelo título, nada mais é do que uma busca incessante por momentos de prazer que se tornam frívolos quando tudo se acaba.
Com esta narrativa não-linear em que o quebra-cabeças vai sendo montado entre momentos que parecem a mais pura realidade em contraponto a cenas fantasiosas (como a caça aos espíritos), o personagem de Mastroianni vai se afundando cada vez mais neste jogo de interesses e falsos sorrisos, mostrando que até o desejo carnal acaba se tornando quase obsoleto. Afinal, o protagonista é um mulherengo, mas por mais que demonstre gostar de suas presas – seja a atriz hollywoodiana com quem flerta, a aristocrata sedenta ou a namorada ciumenta -, ele é incapaz de prover maior aprofundamento em suas relações, não por falta de querer, por simplesmente não poder, por desconhecer como fazer isso.
Quando o final chega, um peixe morto é a perfeita metáfora da podridão à qual todos os personagens estão confinados. A única (aparente) chance de felicidade de Marcello está em uma garota que ele nem consegue mais ouvir direito, deixando-a logo ir embora. Com A Doce Vida, Fellini entrega uma crônica social em três horas, que exemplifica e estuda os mais variados aspectos da política social que se faz até hoje. Aliás, até que ponto saber da vida de uma celebridade preenche o vazio existencial de cada um? A resposta é nenhuma. Ou melhor, mais complexa do que se imagina. E justamente pelo fato de ter que pensar muito a respeito é que ninguém se preocupa com o próprio umbigo, mas sim em meter o bedelho na vida dos outros. Afinal, julgar o jardim alheio parece mais significativo do que dar atenção para o que acontece ao seu redor, não é mesmo?
Últimos artigos deMatheus Bonez (Ver Tudo)
- In Memoriam :: Joan Fontaine (1917-2013) - 22 de outubro de 2020
- Morte Sobre o Nilo - 10 de março de 2020
- Aspirantes - 1 de novembro de 2019
Deixe um comentário