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Sinopse

Um poeta de idade avançada está convencido de que vai morrer. Naqueles que podem ser seus últimos dias de vida, ele arruma estadia de graça em um hotel e chama seus filhos para visitá-lo. Traída pelo homem com quem vivia, uma jovem mulher busca estadia no mesmo lugar, tendo sua vida casualmente entrelaçada nessa história.

Crítica

É preciso um bom tempo para que algo relativamente marcante surja em O Hotel às Margens do Rio. O protagonista é um poeta famoso, vivido por Joo-Bong Ki, hospedado exatamente à beira de um rio, algo constantemente evidenciado pela paisagem ao fundo. Pressentindo que está morrendo, ele convoca os dois filhos, com os quais tem uma relação distante, para acertar os pontos. Concomitantemente, vemos a personagem de Min-hee Kim “curtindo” uma dor de cotovelo com a amiga no mesmo local. Esses dois núcleos se encontram ocasionalmente, mas o valor de ambos está na singeleza com a qual o cineasta Hong Sang-soo os desvela paulatinamente, sem alardear qualquer coisa. Num enredo em que pouco acontece objetivamente, é nas frestas das conversas supostamente banais que se entende melhor os contextos, bem como a carga emocional contida nas interações. Um cinema que preza, sobremaneira, pela economia e solicita a atenção do espectador às minúcias para reverberar.

Há uma graciosidade singular na forma de O Hotel às Margens do Rio. Boa parte do filme se dá em colóquios descontraídos, não pautados exatamente por solenidades ou vitalidades evidentes. Hong Sang-soo entrecorta essa naturalidade com elementos dispostos cirurgicamente, vide a nevasca que muda o cenário durante a sesta do poeta. Antes dele adormecer os campos estão intactos. Quando desperta, a brancura prevalece, o que oferece uma dose considerável de poesia com simplicidade. A câmera registra os personagens quase sempre lateralmente, sentados à mesa dialogando. Um expediente tão curioso quanto eficiente é a utilização do zoom out para ampliar o quadro e, por conseguinte, proporcionar uma visão extensa do todo, e do zoom in, exatamente com intenções contrárias, ou seja, sempre que necessário focar numa reação expressada individualmente. Essa dinâmica influencia diretamente a montagem, pois reduz os cortes e amplia a expressividade do plano.

Apesar do andamento vagaroso, responsável por uma frequente impressão de estagnação, O Hotel às Margens do Rio trata sensivelmente de um sujeito tentando conectar-se com sua prole no decurso de seus últimos suspiros, bem como da sôfrega lidando com as dores de amor. Os percursos não são equivalentes em relevância e tempo de tela. Porém, é imprescindível a sinergia entre ambos e os espaços neles reservados para pitadas de humor, como quando o protagonista celebra a beleza das interlocutoras. Sem carregar na melancolia, o realizador mostra esse homem quebrando determinadas barreiras, tanto as sociais, que o fariam recuar diante das desconhecidas, quanto as pessoais, que bloqueariam a relação familiar, interagindo especialmente com o filho cineasta que desanda a abrir-se sentimentalmente quando destravado pelas faculdades do álcool. Outro momento cômico, e de destaque, é a entrega, por parte do caçula, do jeito como a mãe se refere ao ex-marido.

O Hotel Às Margens do Rio cativa pelo enlace de diversos componentes, principalmente os afetivos, como a culpa do pai pela ausência durante o crescimento dos filhos, as frustrações que os agora adultos carregam por conta do trauma da separação dos genitores e o peso de quem perdeu um grande amor. É um filme que não entrega seus mistérios de pronto, instilando com vagar e habilidade o estofo dramático. O preto e branco da fotografia auxilia na criação de uma atmosfera que gera sutilmente tons acima da estrita realidade, criando um contraste paradoxalmente complementar às conversas naturalistas. No que tange ao elenco, Joo-Bong Ki se evidencia, criando uma figura espontaneamente ambivalente, habilidoso com as palavras, mas desajeitado diante das demandas filiais. Essa inabilidade adquire traços de candura, como quando ele, não sabendo direito o que deixar aos seus, recorre a bichinhos de pelúcia. O ritmo lento, quase parando, é ideal para que sorvamos cuidadosamente isso tudo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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