Crítica
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Sinopse
Para salvar a mãe moribunda, Gunner parte numa jornada em busca daquele que supostamente conhece os segredos da imortalidade. Na companhia de uma misteriosa garota, ele se embrenha numa floresta estranha e perigosa.
Crítica
Se acostumar com os fins é algo que marca a progressão do desenvolvimento humano. Quando somos muito jovens, ignoramos a agressividade das rupturas porque ainda não temos noção de que algumas delas são irreversíveis. À medida que ficamos mais velhos, os términos vão soando como pílulas amargas de realidade, sendo causadoras de fraturas na nossa inocência. A ficção já se valeu em várias ocasiões dessas transposições de limiares para oferecer a personagens uma possibilidade de amadurecer depois de traumas inevitáveis. Em E.T.: O Extraterrestre (1982), por exemplo, isso aparece no divórcio dos pais do pequeno protagonista e, mais tarde, é reafirmado pela necessidade de separar-se do amigo alienígena. Em Conta Comigo (1986), essa ferida é a própria morte, simbolizada pelo cadáver do menino escondido na floresta. Localizar o corpo vira missão dos adolescentes que tendem a crescer metaforicamente após a jornada. Em O Homem Água, o cineasta a ator David Oyelowo envereda por esse caminho, aproveitando outro elemento vital das duas produções citadas: a aventura. Como nos filmes de Steven Spielberg e Rob Reiner, na sua estreia comandando longas-metragens ele tem um protagonista obrigado a se relacionar com a morte. O garoto conseguirá lidar melhor com os efeitos dolorosos dela após a travessia complexa, repleta de perigos, cujo resultado é uma chave para a maturidade.
O protagonista é Gunner (Lonnie Chavis, um achado), recém-chegado com a família a uma cidadezinha interiorana dos Estados Unidos. Ele está se acostumando à nova realidade imposta pelo rompimento forçado com a antiga rotina. Num de seus passeios solitários, para tranquilamente nos arredores da cerimônia de sepultamento de um desconhecido. Mais tarde, cita a experiência como parte de sua pesquisa, já que está escrevendo uma graphic novel sobre um detetive fantasma levado a investigar as circunstâncias do próprio óbito. Dirigido com sensibilidade, O Homem Água deixa clara a diferença entre supostamente entender a morte, quando é um fenômeno longínquo (por isso a distância visual mantida do enterro), e encarar a real iminência dela. O garoto informado aos poucos a respeito da gravidade da doença da mãe, Mary (Rosario Dawson), não consegue imaginar um término para a história inventada. E isso acontece porque antes ele precisará compreender intimamente que um dia tudo acaba. Trocando em miúdos, o autor necessita conceber a sua convivência com a finitude, para somente depois projetá-la no personagem que o representa. Felizmente, isso está nas entrelinhas, não é dito como explicação. David Oyelowo não pressupõe que o público infanto-juvenil, ao qual o filme se destina, é incapaz de absorver as sugestões, tais como os preparativos para o luto.
Há outro ponto importante em O Homem Água, e que também o aproxima de Conta Comigo. Assim como na obra-prima oitentista, aqui é essencial a tensão entre pais e filhos. Gunner não consegue se comunicar com seu pai, se sentindo fragilizado e pouco acolhido. No entanto, há a abertura do escopo para dimensionar as adversidades pelas quais o adulto também passa. Diante do estado cada vez mais debilitado da esposa, o homem se sente incapaz de lidar com aquilo tudo. Novamente, nas frestas da ação moram informações valiosas para assegurar a complexidade do cenário. Sim, pois sendo Amos (Oyelowo) um homem da Marinha, provavelmente passou muito tempo afastado de casa – é mencionada a viagem recente ao Japão. Desse modo, a enfermidade da esposa o obriga a ter uma postura longe da sua cotidiana. Esse pai deixa visível a sua inabilidade para assumir a dianteira do lar, paralisado ao ter de cuidar da companheira e dar suporte ao filho. A direção oferece estímulos suficientes para esses detalhes surgirem entre as camadas dos acontecimentos principais, tornando assim o conjunto consistente. E nem por isso prejudica o caráter lúdico ou os contornos de aventura. Até a propensão de Gunner à imaginação é bem colocada, haja vista a sede dele por histórias se materializando na intimidade com os livros. Existe algo de nostálgico na quase omissão dos equipamentos digitais, nessa retomada de uma vivência menos intermediada por telas e dispositivos conectados à internet.
Na jornada de Gunner em busca do famigerado Homem Água – lenda urbana de um espírito vagante que saberia segredos da imortalidade –, a pequena Jo (Amiah Miller) desempenha um papel fundamental em paralelo. Essa típica revoltada adolescente constrói uma casca supostamente impermeável aos afetos para suportar os maus tratos de quem deveria protege-la. Sua colaboração com o protagonista resulta numa troca mútua. Ambos se auxiliam no processo interligado de amadurecimento. O Homem Água toca de modo bonito na importância da imaginação e da ficção para construirmos refúgios diante de cenários nem sempre favoráveis. A concepção fotográfica de Matthew J. Lloyd (o mesmo de Homem-Aranha: Longe de Casa, 2019) é imprescindível para a bem equilibrada oscilação entre a fantasia juvenil e a realidade nela embutida. Há uma predominância de cores quentes (sobretudo o amarelo e o vermelho), mas o contraste com matizes frios (o azul escuro, por exemplo) se encarrega de demarcar as alternâncias emocionais que são vitais ao resultado. O final feliz não impõe a conformidade, até porque tampouco anuncia o fim de todos os problemas. Porém, de fato, Gunner aprende lições valiosas, assim como Amos e Jo. O primeiro entende que não dá para vencer a morte, mas descobre o enorme poder da esperança. O segundo percebe a necessidade de baixar a guarda, pois os elos forjam as amaduras que nos ajudam a resistir. Por fim, a a terceira é tardiamente apresentada ao amor.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 8 |
Francisco Carbone | 6 |
MÉDIA | 7 |
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