Crítica
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Quais são as semelhanças entre O Fabricante de Lágrimas, novo sucesso inesperado da Netflix, e os filmes das sagas After, 365 Dias e Crepúsculo? Todos são baseados em livros voltados ao público feminino e têm como protagonistas mulheres apaixonadas por homens abusivos e/ou possivelmente violentos. É uma tendência alarmante essa romantização dos relacionamentos tóxicos (para utilizar um termo comum na atualidade) em histórias moderadamente eróticas (menos nos exemplares da saga 365 Dias, em que o sexo é bastante acrobático). Neles, mocinhas sonhadoras se enrabicham por bad boys bonitões que vivem de cara amarrada, homens dignos de afeição mesmo que representem perigo ou, no caso de Edward da saga Crepúsculo, afirmem que podem não se controlar e acabar matando as suas amadas. No filme italiano, o começo já é um show de trapalhadas cinematográficas. A menina está viajando com seus pais por uma daquelas estradas feitas de retas intermináveis margeadas por uma natureza exuberante. Depois do surgimento repentino de um lobo, seguido da fala semelhante aos mantras da autoajuda, acontece o acidente que deixa Nica (Caterina Ferioli) órfã. É duro acreditar que a fatalidade poderia se dar do jeito como é mostrada especificamente na cena, pois a aparição do caminhão teria de ser quase por meio de teletransporte para o condutor não ter tempo de mudar de faixa.
No cinema, com frequência, suspendemos a nossa descrença voluntariamente para aceitar como verdadeiras premissas e acontecimentos que parecem absurdos. No entanto, em O Fabricante de Lágrimas a direção de Alessandro Genovesi é tão desajeitada que vira uma tarefa árdua fazer vista grossa e ouvido de mercador para vários absurdos. Além da falsidade que marca a tragédia de Nica, há posteriormente outros acontecimentos que desafiam a nossa credulidade. Por exemplo, quando a protagonista feminina finalmente é adotada (depois da morte dos pais, ela vai morar num orfanato liderado por uma carrasca caricatural). Nica se despede da melhor amiga, é acolhida por seus novos pais e o filme força a barra ao enxergar como aceitável que uma melodia tocada por alguém no piano faça o casal adotar não apenas um adolescente, mas dois. O bonitão-marrento da vez é Rigel (Simone Baldasseroni), jovem que acaba se beneficiando de seu talento, aparentemente mudando os planos complexos de um casal em vias de sair do luto pela perda recente do filho. O roteiro assinado por Eleonora Fiorini e Alessandro Genovesi, com base no best-seller homônimo de Erin Doom, é repleto desses momentos artificiais que comprometem sensivelmente a credibilidade do filme. Repentinamente, somos informados de que Nica morre de medo e tesão por Rigel, moleque soturno vive a intimidando pelos cômodos.
Além dos problemas de execução, O Fabricante de Lágrimas também caminha rumo ao desastre por conta de seu discurso às vezes nocivo e/ou distorcido. No primeiro plano em que vemos Rigel manuseando os remédios psiquiátricos por meio dos quais busca se equilibrar, Alessandro Genovesi imprime tensão com uma trilha sonora pesarosa que parece nos advertir sobre algo. Isso contribui para a estigmatização do paciente psiquiátrico como um cidadão instável e possivelmente perigoso. Também é perceptível que o realizador utiliza a condição mental do protagonista masculino como escudo para justificar o comportamento agressivo e os maus-tratos que ele continua impondo a Nica – mesmo quando os dois se transformam em irmãos adotivos. Assim como nos filmes citados no primeiro parágrafo deste texto, Nica desempenha o papel da mocinha ingênua e pacata que sente um desejo incontrolável por um sujeito de comportamento questionável, para dizer o mínimo. Dentro desse jogo amoroso em que o perverso é floreado, também entra outro item comum nessa tendência de vender ao público feminino o machismo embalado em papel-fetiche: o segundo pretendente, aquele que cria uma dinâmica triangular e reforça o quanto essa menina meiga e carinhosa é desejável. No entanto, Alessandro Genovesi sequer elabora com alguma tensão a disputa dos candidatos a machos alfa.
O Fabricante de Lágrimas reitera a imagem da mulher cuidadora, também muito presente nas obras antes citadas. Trata-se da personagem feminina que aguenta desaforos, opressões e outros tipos de violência psicológica porque assume a missão de reformar um homem quebrado. Rigel é o típico garoto que não consegue expressar sentimentos positivos, mas parece sempre muito desenvolto quando o assunto é anular adversários e/ou asfixiar suas presas num joguete afetivo que tem sintomas de manipulação sentimental. Mas, “coitado”, ele sofreu uma série de abusos semelhantes no orfanato, então, de acordo com o que o filme defende, tem uma espécie de salvo conduto para ser escroto até que alguém apresente a ele a força reparadora do amor. É um modo condescendente de tratar não apenas o personagem, mas a influência que ele pode ter no seu ecossistema social. Alessandro Genovesi assimila os preceitos que constam na cartilha desse tipo de filme, inserindo estrategicamente pitadas comportadas de erotismo –, Nica acordando excitada ou seduzindo o seu amado proibido com uma camisola semitransparente pela água da chuva tomada enquanto dava o fora no outro pretendente. Para completar a fatura, a cena dos protagonistas atacados pelo rapaz frustrado é outro momento “vergonha alheia” do ponto de vista da execução, com direito a encenação malfeita e quilos de chantagem emocional.
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