Crítica


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Sinopse

Quatro amigos fazem uma viagem pelo interior da Argentina, em busca de calma numa cabana à beira do lago. No entanto, encontram cruzes e elementos relacionados a rituais pelo caminho. Dentro da floresta escura, um homem estranho parece segui-los. Quando mortes acontecem na região, decidem partir, mas talvez seja tarde demais.

Crítica

Dois casais viajam rumo a uma cabana isolada no meio do mato. Eles encontram cruzes à beira da estrada, percebem vultos nas árvores, além de terem visões com rituais macabros. Estes elementos estão presentes numa infinidade de filmes de terror, e serviriam de material adequado a uma revisão crítica, uma paródia ou apenas mais uma produção de gênero, satisfeita em repetir fórmulas. Ora, o diretor Ignacio Rogers promove uma homenagem, evitando tanto romper com estes códigos quanto meramente reproduzi-los. Ele busca uma colagem do imaginário do horror ao invés de uma história dotada de criatividade e a ousadia. O Diabo Branco (2019) combina o ponto de partida dos slashers, a representação dos meios campestres digna dos filmes sobre seitas satânicas e a presença de elementos sobrenaturais comuns às histórias de fantasmas. Assim, Fernando (Ezequiel Díaz), Camila (Violeta Urtizberea), Tomás (Julián Tello) e Ana (Martina Juncadella) encarnam menos um quarteto dotado de personalidade própria do que os protótipos de vítimas inocentes enviadas à matança. Era melhor o espectador não se apegar aos heróis, de qualquer maneira: o roteiro oferece inúmeros indícios do final que os aguarda.

Apesar do tom reverencial, a produção argentina evita menções diretas aos clássicos do gênero. A narrativa se situa num limbo curioso, porque nem oferece piscadelas aos cinéfilos apaixonados por terror, nem busca cativar espectadores através de uma mitologia própria. Pelo contrário, o longa-metragem se mostra sucinto até demais nos conflitos: assim que chegam à cabana, os quatro amigos se deparam com uma figura morta-viva (interpretada por William Prociuk). Este será o único componente de medo até o final. Rogers evita criar uma história de origem complexa para esta criatura, ou ainda regras específicas à seita das fotos invertidas. Uma sombra se projeta sobre o corpo adormecido de Fernando, porém inexistem pistas de uma aparição fantasma dentro da cabana. Ele se depara com um cadáver jogado na mata enquanto dirige, mas restam dúvidas a respeito de como teria visto o corpo à distância. O diretor poderia sugerir que o quarteto provocou algum crime ou erro, sendo perseguido por isso; ou que descobriu uma prática ultrassecreta, precisando ser silenciado depois. Poderia investir em ambiguidades, pistas falsas, coadjuvantes de caráter dúbio. Os viajantes poderiam divergir quanto aos rumos a tomar a partir do encontro com a criatura na floresta.

Ora, nada disso acontece: a trama se sucede com uma placidez inesperada, fruto da sequência de ameaças que se repetem sem se desenvolverem. Falta motivação aos protagonistas e aos adversários. Isso decorre do fato que os heróis possuem construções indistintas, resumindo-se a um nome e um grau de relacionamento – um casal de namorados e dois amigos que já namoraram no passado. Nem mesmo a paixão antiga surte qualquer efeito nestes corpos desprovidos de pulsão de vida ou morte, sem sonhos nem planos para o futuro. O que os aguarda quando voltarem para casa? Possuem família, trabalho? Esperam pela resposta de um concurso, uma prova, uma ligação telefônica? Nada disso. O fraco roteiro opera num estrito presente, dificultando a identificação com os personagens e impossibilitando o jogo de adivinhações, ou a gradação da paranoia. Uma vez atacados, os quatro se contentam em alugar um quarto no hotel ao lado. A tentativa de descobrir a verdade se limita a Fernando, numa mistura de curiosidade e ingenuidade: ele busca a tal seita sem se esconder, e depois finge se camuflar na floresta aberta, em plena luz do dia. Além de superficiais, os personagens se revelam inverossímeis. É tão difícil acreditar no grupo quanto nos participantes da reunião macabra, em roupas urbanas demais e de idades muito próximas, como se os produtores tivessem convidado seus amigos para a figuração. Da faxineira desligando o aspirador de pó para escutar uma conversa aos turistas dormindo sonos profundos demais, poucas passagens soam construídas com cuidado.

Em paralelo, O Diabo Branco encontra dificuldade em criar a atmosfera de perigo. A claridade e a nitidez excessivas do digital prejudicam a aparência de dúvida ou de subentendidos. O trabalho com luzes de lâmpada pode gerar bons contrastes (vide o ótimo A Noite Amarela, 2019), no entanto, o diretor de fotografia Fernando Pablo Lockett teima em encontrar bons ângulos ou uma iluminação expressiva para os cômodos. O uso de lentes soa equivocado em termos de profundidade de câmera e amplitude. O terror depende da exploração do espaço e do tempo, elementos fundamentais à tensão. Aqui, em contrapartida, jamais conhecemos a cabana por dentro; o acesso à floresta se revela fácil demais de entrar e sair, e a chegada ao ritual ocorre sem esforço. Percebe-se a câmera em leve plongée, espremida nos corredores e nos pequenos quartos do hotel, tentando enquadrar da melhor maneira. Infelizmente, as limitações da imagem chamam mais atenção do que seu conteúdo. As raríssimas tentativas de metáforas fracassam: o banho de sangue se assemelha a um decalque de O Som ao Redor (2012); a descoberta de uma frase na foto possui impacto nulo na resolução do dilema; a fita cassete secreta traz uma pseudo revelação inconsequente. Chegado o aguardado clímax, o diretor enfrenta novos problemas para filmar mortes, optando por recursos fracos de maquiagem além de um tilt pouco fluido que evita fornecer ao espectador o único elemento prometido até então.

No entanto, havia potencial para a obra crescer: a cena de abertura, inteiramente avermelhada, apontava para uma concepção estética potencialmente expressiva. O belíssimo cartaz oferece mais poesia e elaboração espaço-temporal do que qualquer sequência do filme. Por este motivo, não surpreende a ausência de final – algo muito diferente de um final aberto. A narrativa se encerra em pleno clímax, porque havia ignorado caminhos alternativos ou fios paralelos para resolver. Uma vez reunidos os mocinhos e os vilões, a projeção se suspende abruptamente. O terror constitui um gênero consequente por natureza: fantasmas perseguem casarões e pessoas séculos após um assassinato; crimes cometidos no passado refletem em matanças pelas próximas gerações; demônios medievais se apoderam do corpo de garotinhas contemporâneas. Por definição, esta é a linguagem do ressentimento, da culpa e do trauma. Entretanto, o filme argentino se desloca através de quatro figuras apáticas, sem desejo nem remorso. Elas atravessam uma coletividade estranhamente despersonalizada, para quem a morte se dissocia da catarse. Caso esta banalidade fosse exagerada ao limite do grotesco e do paródico (a exemplo de Knives and Skin, 2019), poderia provocar uma reflexão metalinguística sobre os limites do gênero. Não é o caso: falta ambição aos personagens, à direção e ao discurso. Filmes de terror podem ser espetacularmente ruins em suas abordagens radicais, mas talvez os mais decepcionantes sejam aqueles mornos, que sequer tentam atingir alguma forma de potência cinematográfica.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
4
Francisco Carbone
3
MÉDIA
1.5

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