Crítica

Há quem acredite que para se realizar um documentário é preciso apenas um tema e vários entrevistados que dominem o assunto. Porém, é sabido que este gênero pode ir além da investigação e até servir de meio de propagação de uma ideologia. A produção O Brasil Rico: Uma Discussão sobre Prosperidade e Como Alcançá-la, idealizada pelo ex-Ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega e dirigido por Louise Sottomaior, foi lançada em alguns cinemas no ano de 2016, mas seu formato está muito mais para série de TV ou programa de entrevistas do que para obra cinematográfica. Mas este é apenas um dos detalhes incômodos do filme.

O subtítulo da obra dá a entender que teremos um debate sobre o que torna um país próspero e que aponta alternativas para tornar o Brasil uma nação com futuro promissor. E isto de fato acontece. O problema está no resultado. Os entrevistados de O Brasil Rico são jornalistas, professores, vários políticos e economistas e donos de Bancos. Sim, os mais interessados no crescimento financeiro do país, não importando as vias pelos quais ele aconteça, discorrem sobre o que deve ser feito para que o Brasil possa se tornar competitivo no mercado financeiro mundial. A primeira parte do documentário tem ares de aula de história, apresentando como nasceu o comércio na Europa e na Ásia e também como as maiores potências econômicas da atualidade alcançaram seus títulos. Tudo explicado com cuidado, utilizando dados, gráficos comparativos e muitos, muitos números. Em alguns momentos, Maílson da Nóbrega, que tem a maioria das falas do longa-metragem, parece ler informações em algum telepronter ou mesmo num papel segurado por alguém da produção.

Paralelo às rebuscadas informações de Nóbrega, estão depoimentos de Pedro Malan, Fernando Henrique Cardoso, Boris Fausto, Henrique Meirelles e Delfim Neto, todos lançando opiniões idênticas sobre temas como reforma educacional e previdenciária, infraestrutura e educação, este último o tópico que mais rende propostas. É preciso investir no ensino fundamental e médio. Até quem nunca frequentou os bancos de uma faculdade de economia sabe disso. Mas torna-se quase cômico ver integrantes do atual governo, responsável por uma proposta que inclui a exclusão de disciplinas como História do currículo escolar, se contradizerem de forma tão óbvia. Os mesmos que apontam a criatividade do brasileiro como um diferencial no crescimento, querem que sejamos criativos sem conhecimento. Exaltam a força de vontade e o empreendedorismo das classes mais pobres, porém trajando seus ternos bem cortados em seus confortáveis escritórios. José Sarney, que aparece duas vezes e não diz mais que meia dúzia de palavras, é entrevistado sentado em um sofá preto luxuoso. O homem que é dono do estado do Maranhão quer ver o país crescer. Pelo menos é este o seu discurso.

A trilha sonora tem toques de esperança, lembrando até músicas de contos de fada. Uma boa metáfora, já que O Brasil Rico traça uma série de objetivos que são incríveis no papel e na retórica, mas nenhum dos poderosos entrevistados parece se mexer para torná-los realidade. Óbvio que não existe um salvador da pátria e que uma única pessoa não vai tornar nosso país uma potência. Mas se todos os que participaram do documentário se unissem e propusessem a quem cabe decidir os rumos do país tudo o que falam, seria um começo motivador. A falta da fala da ex-presidenta Dilma Rousseff é justificada no filme com a informação de que ela foi contatada e não quis conceder entrevista. Não sabemos se faria diferença, já que a sua retirada do governo não é sequer citada pelos participantes.

O Brasil Rico é um documentário feito por ricos e para ricos. Ao contrário do que propõe, não são apresentadas saídas para alcançarmos a prosperidade. Uma prosperidade que tem muito mais a ver com dinheiro do que com qualidade de vida. No fundo, o Brasil rico proposto pelo filme é cheio de pessoas que irão estudar para seguirem trabalhando como máquinas e enriquecendo quem já tem dinheiro de sobra. Se é assim, já somos ricos. Infelizmente.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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