Crítica
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Sinopse
Alexandre Taylor é um ator aposentado que presta serviços a uma ONG que organiza um grupo artístico, na periferia de Kibuna. Eles são convidados pelo governador para fazer uma apresentação no Palácio do Governo. No convite, há uma exigência que será um dos mais grandiosos momentos teatrais de sua vida: sequestrar o embaixador de Golem e recitar uma carta dirigida aos homens poderosos do evento.
Crítica
Uma convulsão cinematográfica tipicamente terceiro-mundista e libertária. Notícias do Fim do Mundo, do cineasta cearense Rosemberg Cariry, é como um grito desesperado e ferozmente reflexivo sobre diversas camadas que compõem o contemporâneo. O protagonista é Jacaúna (Everaldo Pontes), nativo de um fictício país periférico, contratado para entreter o embaixador de uma nação rica, colonialista e predatória. Aos preparativos que transformam o então artista num personagem messiânico encarregado de levar às raias do extremo a indignação das populações marginalizadas, sobrevém a caravana dos soldados da resistência. A arte, efetivamente, deixa de se sustentar apenas em seu eixo figurativo ao descambar à ação efetiva com o sequestro do burocrata que fala sintomaticamente com sotaque puxado para o inglês. Numa narrativa que oferece estilhaços significativos de insatisfação, a revolta popular ganha ares de jogo teatral, de um intenso reisado.
Notícias do Fim do Mundo toca, numa chave alegórica, em questões que tangem à realidade da qual se propõe a ser um espelho exagerado. Everaldo Pontes, num trabalho de composição excepcional, delineia uma versão transbarroca de Antônio Conselheiro, encarnando a inconformidade diante das mazelas do povo condicionado por decisões parciais dos senhores do poder. A performance pública alusiva aos indígenas se transforma num espetáculo, inclusive midiático, de revide. Rosemberg lança mão da linguagem do jornalismo sensacionalista em rota de colisão com a precariedade renovadora dos suportes da emissora pirata para falar sobre o poder nefasto da mídia, a forma como ela penetra cotidianamente na vida de milhares que pessoas, algumas delas sem condições para fazer a mínima distinção entre o factual bruto e as possíveis distorções impostas pelos discursos. O desenho de som desempenha papel fundamental nesse desbunde anarquista.
As mensagens que se chocam para produzir efeitos oscilantes não estão apenas na boca dos personagens, embora Jacaúna – homem branco rebatizado com a palavra indígena que significa “indivíduo de peito negro” ou “indivíduo de cabeça negra” –, vocifere contra o colonialismo desenfreado e a nocividade da distorção do sentido primal de liberdade quando este verbete está atrelado ao mercado capitalista. Rosemberg não está preocupado com o excesso de ruídos na telona, bem pelo contrário, uma vez que esse “barulho” reflete a sociedade imaginada que, de forma deliberadamente escancarada, aponta ao Brasil. Signos facilmente identificáveis da lógica estadunidense de ocupação cultural, como Mickey e Michael Jackson, aparecem em versões toscas, abrasileiradas, reconfiguradas de acordo com nossas restrições. Da precariedade, da limitação, surge uma releitura de ícones, a apropriação do totem ianque, disposto na dialética do subdesenvolvimento.
Rosemberg Cariry utiliza a montagem como forma de adensar esse processo caótico de justaposição de fragmentos e possibilidades. Imagens documentais são arremessadas na diegese como projéteis encarregados de por em crise a realidade por meio de poesia e insatisfação, então imiscuídas num caldo singular. Eventualmente disperso, mas nunca inofensivo e/ou acomodado, Notícias do Fim do Mundo faz um retrato idiossincrático de indagações frequentes aos preocupados com o bem estar social, aos não somente atentos à movimentação matemática e escusa das placas tectônicas do capitalismo selvagem. Dentro da retroalimentação das linguagens, a inserção do videogame é, talvez, o dado mais surpreendente, por, ao mesmo tempo, gerar uma dura crítica social e criar uma nova demão narrativa que não permite ao filme assentar-se. A imperfeição, a feiura, o risco e os desvãos intrínsecos à coragem de colocar o dedo nas feridas são componentes vitais nesse conjunto potente, cuja vocação é inflamar os justos infelizmente entorpecidos.
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