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Sinopse

Enquanto resiste à pressão dos pais para assumir a churrascaria da família, um jovem luta para se tornar um grande sommelier.

Crítica

O mundo está repleto de histórias em que empresas familiares são alvos de disputas entre herdeiros. Mas, também há várias tramas como a de Notas de Rebeldia, que avançam no sentido oposto, ou seja, com filhos relutando para assumir os negócios que passaram de geração em geração, especialmente por conta da vontade de construir o próprio caminho. Portanto, o filme escrito e dirigido por Prentice Penny utiliza uma premissa  comum, inclusive pelo fato da recorrência real, decorrente da dificuldade de comunicação, das expectativas geradas e nem sempre possivelmente correspondidas. Elijah (Mamoudou Athie) trabalha na churrascaria que foi do avô, auxiliando os seus cotidianamente, mas sentindo desconforto sempre que o pai, Louis (Courtney B. Vance), trata como um movimento natural a transmissão gradual de certos conhecimentos acerca das engrenagens do negócio. Apaixonado por vinhos, o jovem deseja emancipar-se dessa perspectiva paterna.

Notas de Rebeldia demonstra personalidade em virtude de como o argumento para lá de surrado é temperado. Isso se percebe pelo modo como o cineasta aproveita as transições para apresentar contextos, sobretudo os que dizem respeito ao bairro no qual o filme se passa. Os valores familiares entram nesse balaio, pois ressaltados como pilares aparentemente imutáveis, até por isso se destacando no horizonte como entraves aos desejos do protagonista. Competentemente, o roteiro aponta à suposta inevitabilidade da ruptura, ou seja, se Elijah quiser realmente seguir a carreira de sommelier provavelmente terá de quebrar uma linha sucessória que ao seu genitor soa indispensável. Entretanto, faz isso sempre deixando nas entrelinhas a grande probabilidade de uma conciliação, vide a maneira como o afeto dos parentes nos é servido, enquanto evidentemente mais poderoso, capaz de, crescentemente, aparar arestas e fazer com que anseios sejam devidamente conjugados.

Um dos responsáveis por fazer Notas de Rebeldia ser gostoso de assistir é o elenco. Mamoudou Athie se encaixa bem na pele desse rapaz frequentemente solapado por suas vontades esbarrarem em diferentes anseios alheios. Ele encontra, primeiro, um oponente, e, segundo, um aliado poderoso no coadjuvante vivido por Courtney B. Vance, veterano que se equilibra com rara habilidade entre o comportamento cabeça-dura do patriarca e o carisma/afetuosidade que fazem dele uma figura antagônica à qual também nos interessa compreender. Completando o trio destacado, Niecy Nash, como a mãe que utiliza estratégias para balancear o relacionamento do marido com o filho. Embora as pessoas em cena sejam quase todas arquetípicas, funcionam dentro dessa lógica narrativa mais leve, ainda que não leviana, proposta por Prentice Penny. Sem profundar-se psicológica e emocionalmente nos personagens, o cineasta trabalha bem os lugares-comuns, os dilapidando.

Algumas debilidades diminuem a intensidade dramática de Notas de Rebeldia, sendo a principal delas a participação de Tanya (Sasha Compère), namorada de Elijah, existente única e exclusivamente em função dele, ou seja, destituída de qualquer subjetividade. Ela serve de amparo emocional, às vezes desempenhando a função de voz da consciência que lembra o protagonista acerca da necessidade de perseverar a fim de seguir seus planos. Mas, para compensar as fragilidades e as facilidades – como o colega medíocre que acaba sobressaindo no fim das contas, expediente que aponta simploriamente à imprevisibilidade –, surge o olhar atento de Prentice Penny para alguns detalhes, ainda que não devidamente explorados, mas sublinhados. Mesmo que a questão racial seja mencionada num par de instantes, mas não debatida, é sintomático que em eventos vitivinícolas o contingente de participantes brancos seja infinitamente superior. É por substanciar um enredo ordinário com toques de singularidade, além do ótimo elenco, que o resultado fica acima da média.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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